Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A espetacularização política

Na era da imagem, na qual as relações são permeadas pelo parecer e aparecer (Piovezani, 2003), não se deve deixar de observar o fenômeno da espetacularização dos fatos que constituem a nossa realidade. Há de se acrescentar que tal ocorrência é possível e se dá na mídia, facilitada em parte pelo avanço das tecnologias nos meios de comunicação, e balizada pelo modelo capitalista – numa homogeneização (aparente) de objetos, e por que não, de seres, desejáveis e consumíveis, também descartáveis, segundo a mesma óptica, uma vez que tal sistema ‘não é universalizante, homogeneizante, é uma fantástica fabricação de riqueza e de miséria’ (Deleuze, 2000 apud Piovezani, p. 50).

Desse modo, a espetacularização a que nos referimos assume formas variadas, com apelos diferenciados em cada segmento. Daí ser possível, por exemplo, assistir a um desses programas vespertinos, do gênero Cidade Alerta e afins, nos quais o tom sensacionalista extrapola os fatos noticiados, numa equação de distorção do real e banalização da violência pela recorrência extremada ou pelo exagero espetacular e a maneira forçosamente indignada com que tais programas são apresentados.

Não é de se estranhar, portanto, que o discurso político se amolde a esse paradigma – mais do que isso, que as fronteiras entre a mídia e a política se atenuem à medida que uma vá se apropriando dos recursos e instrumentos da outra, também das técnicas publicitárias sempre tão próximas desse contexto. Evidente que a politização da sociedade civil contribuiu para essa relação, na qual a mídia, devido ao ‘encolhimento do raio de ação estatal’ (Piovezani, p. 57), adquiriu foros de guardiã de uma suposta verdade ou possuidora do poder de desvelamento dos segredos políticos. Em contrapartida, e de modo paradoxal, a mídia também oferece ao político o espaço necessário para a concretização dos enunciados, e para a espetacularização do ato político, encarnado nos meios de comunicação.

Se a imprensa nacional anda às turras com o governo federal – e a comunicação, ou se preferir, o diálogo se estabelece de maneira arrevesada –, pode-se presumir que isso se deva à estratégia adotada pelo governo, que tem priorizado o marketing político e o apelo popularesco, com ênfase ao meio televisivo – justamente o governo que prometia o diálogo permanente e franco com a sociedade. Não que esse diálogo não exista, mas a sua realização se dá de maneira controversa, parcial e direcionada, voltada aos interesses prementes e através dos interlocutores apropriados a cada momento (embora muitas vezes de forma atabalhoada, causando mais estragos que benefícios) – e tendo na figura presidencial o seu principal artífice.

Por isso, quando o presidente recebe, por exemplo, o apresentador de TV Carlos Massa, o Ratinho, para um churrasco/entrevista na Granja do Torto o espaço público e o privado se confundem, se imiscuem – com as vantagens e desvantagens que isso possa acarretar. Se por um lado a imagem do estadista, colhida na intimidade dos bastidores do poder, se humaniza, por outro denota apenas mais uma estratégia publicitária, de imagem forjada apesar do carisma ou boa-fé do presidente – o que pode ser encarado como puro espetáculo, cuja mensagem é manter acesa a chama da esperança ou o clamor da paciência. Quando o governo abdica das entrevistas coletivas e seu partido opta por inserções explicativas sobre os avanços resultantes desses 15 meses de mandato (num quadro comparativo com o governo anterior) torna-se patente a preferência pelo tipo de comunicação priorizada nessa administração.

Questionamento reflexivo

A mídia, por sua vez, também erra o foco quando se deixa seduzir por tais estratagemas, quando se atém a interesses menores, quando se prende aos aspectos puramente espetaculares dos acontecimentos, deixando de cumprir o seu papel reflexivo (principalmente a mídia impressa), na busca por novas formas de interlocução. Demonstra muitas vezes mais preconceito do que senso crítico, agarrando-se a escorregadelas da fala presidencial ou a normas de etiquetas. Daí a necessidade ainda mais veemente de uma crítica consciente e da autocrítica como expediente para detectar os desvios (e desvarios) dos discursos políticos e/ou midiáticos.

Claro está que não se pretendeu aqui discutir o que o governo LuLa tem efetivamente realizado no plano econômico ou social. Mas apenas ressaltar, embora de maneira sucinta, alguns aspectos para tentar elucidar como se organiza (e se realiza) a prática discursiva governamental na relação com os meios de comunicação de massa, prioritariamente o meio televisivo (ainda que não se tenha assistido a nenhum espetáculo do crescimento econômico, por exemplo, ou da geração de empregos. Note-se a incorporação da palavra ‘espetáculo’ no discurso político e midiático).

Faz-se necessário um parêntesis para lembrar que ‘segundo as teses foucaultianas, o poder está fundamentalmente ligado ao corpo, em todas as sociedades, uma vez que é sobre ele que se impõem as obrigações, as limitações e as proibições’ (Gregolin, 2003, p. 99).

Assim, a imagem/corpo do poder que se impõe através do meio televisivo é a mesma que se deixa captar e/ou capturar nessa proximidade longínqua (Courtine, 2003), é a do orador que fala, cada vez mais, a linguagem televisiva com todos os riscos ou porventura avanços que isso possa representar à democracia, embora signifique por outro lado o fim da eloqüência tradicional e a ascensão da comunicação (Courtine, 2003).

Resta saber se a sociedade e a imprensa (pelo menos parte dela) terão condições de discernir – mais do que isso, discutir – esses aspectos e mudanças, num questionamento reflexivo permanente desse contexto/cenário multifacetado, de fluxo contínuo de imagens e informações.

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Poeta, Jaú