O Jornal Pessoalcomeçou cinco anos depois do lançamento do Diário do Pará, 24 anos atrás. Não é uma diferença de tempo significativa. Pode-se considerá-los contemporâneos. Como vários outros no passado, o Diário surgiu com um objetivo bem definido: dar sustentação à candidatura do então deputado federal Jader Barbalho ao governo do Estado.
Na época, o principal jornal, O Liberal, apoiava a candidatura de Oziel Carneiro, do PDS, em função de compromissos com o grupo político do senador Jarbas Passarinho. Como queria riscar Passarinho e seu grupo do mapa político do Pará, o governador Alacid Nunes rompeu com os seus companheiros de armas e com o regime que o criara. Por isso, apoiou o candidato da oposição.
Certamente, sem essa sustentação da máquina pública estadual, Jader não teria vencido. Uma vez no poder, decidiu livrar-se dos compromissos com o passado para impor sua liderança. Bem ou mal (mais pro mal do que para o bem), ela se mantém até hoje. Mas essa é outra história.
Em 1982, quando aconteceu a primeira eleição direta para o governo do Estado desde 1965, eu tinha uma coluna assinada em O Liberal e era o principal editor do Repórter 70. Esses dois espaços asseguravam que o compromisso do jornal com o candidato do governo federal não era monolítico: o jornalismo continuou a respirar por esses dois poros. Romulo Maiorana sabia que Jader podia vencer, graças a Alacid. Não podia apostar todas as fichas num lance temerário.
Mas Jader Barbalho precisava de um jornal de combate, além de um jornalista disposto a tudo. Seu parceiro (e, àquela época, arquétipo) Orestes Quércia, governador de São Paulo (e quase dono de Campinas), lhe proporcionou o jornal. Hélio Gueiros, trocando de barco, lhe serviu de lutador de vale-tudo.
Com a vitória, o Diário do Pará se metamorfoseou, abandonando aquela casca pobre do início, com horrível impressão tipográfica, recursos técnicos limitados e pouca gente, trabalhando em condições amadorísticas. Virou um jornal competitivo, tornando-se uma extensão do poder oficial, uma das causas do seu sucesso – e também das suas limitações.
Atividade de pensar
O Jornal Pessoalque apareceu na 1º quinzena de setembro de 1987 é o que continua a ser, 24 anos depois: não tem fotos, não usa cor, é escrito por uma única pessoa, tem o mesmo número de páginas e continua a não aceitar publicidade. Sua aparência não guarda a menor relação com as publicações periódicas da cidade, mas é pendurado da mesma maneira nos mostruários das bancas de revista e de livrarias (embora ainda haja algumas que o escondem, atentas a imaginárias ameaças ou represálias; ou por pura tibieza).
Por que se mantém este jornal? Porque o leitor o compra, mesmo que sequer se lembre do aniversário da publicação e sejam poucos os compradores. Quem compra o JPsabe o que quer: não leva gato por lebre. Se há leitores que lêem o jornal desde o início, é porque o JPlhes diz algo. Por incrível que pareça, esta publicação liliputiana, que mais se parece a um pasquim de estudantes do que a um órgão da imprensa regular, diz coisas a gente que mora em lugares distantes de sua sede, em Belém, e do que devia ser sua embocadura e alcance.
No mês passado o Público, de Lisboa, um dos mais influentes jornais de Portugal, dedicou ao JPuma das matérias da série que sua enviada especial escreveu sobre a Amazônia. O Jornal Pessoaljá ganhou destaque no New York Times, Washington Post, Los Angeles Times, Rolling Stone, Mag, La Reppublica, Corriere della Sera, Le Monde, The Independent, e por aí vai. A lista é surpreendentemente extensa.
Qual a razão de um jornal como este merecer destaque em algumas das mais importantes publicações da imprensa mundial e nenhuma atenção ser dada aos grandes jornais locais? Como a resposta não pode ser buscada na aparência deste quase samizdat, sempre sujeito a gritos e safanões, o motivo deve estar no seu conteúdo. Afora as belas ilustrações do Luiz e as reproduções da Memória do Cotidiano, o que ele mais tem senão conteúdo?
Num universo de imagens, de spots e hits, de twiters e orkuts, o Jornal Pessoalsustenta o primado da palavra impressa, da linguagem como veículo para divulgar informações e ideias, da necessidade de encarar raciocínios e demonstrações, de dialogar, de perquirir pela verdade e de proclamá-la. Êxito comercial não pode ter um produto que recusa a receita da publicidade, como este. Tudo que conseguiu deriva da possibilidade de convencer as pessoas de que o pensar constitui a atividade mais superiormente humana – e, ao mesmo tempo, demasiadamente humana.
É com esse compromisso que o Jornal Pessoalcomeça, nesta edição, a caminhada do 25º ano. Ou um quarto de século, para sermos mais pretensiosos.
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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista e editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]