Não é raro perguntar-se, entre os observadores que avaliam as novas tecnologias e sistemas informativos usados nas redações dos jornais, que mudança estaria reservada para a velha forma de relato do acontecimento denominada ‘notícia’.
Como bem se sabe há mais de 200 anos, essa forma, razoavelmente simples, guarda a ‘essência’ da atividade jornalística porque, como uma espécie de retrato ‘três por quatro’ do acontecimento, ela acena com a bandeira de uma pequena verdade real-histórica, garantida pela presunção técnica da objetividade. De fato, em sua prática profissional e mesmo em seus eventuais posicionamentos doutrinários, os jornalistas costumam apoiar-se na presunção de que expressam a verdade do cotidiano ou da vida social imediata.
‘Verdade’ é então entendida do modo mais familiar ao senso comum, que é a noção da correspondência do enunciado aos fatos do mundo: ‘S é verdadeiro se S corresponde a um fato’. Assim, a notícia ‘o homem mordeu cachorro’ é verdadeira se um homem efetivamente mordeu um cachorro. Os lógicos e os filósofos da linguagem não se cansam de demonstrar que a noção correspondentista não funciona em muitos casos.
Aprofundamento da informação
Mas a partir deles próprios é possível salvar para o jornalismo uma definição de verdade, desde que vinculada ao humano: ‘[as teorias desses lógicos] têm o mérito de relacionar o conceito de verdade aos interesses humanos, como linguagem, crença, pensamento e ação intencional, e essas conexões é que tornam a verdade a chave de como a mente apreende o mundo’, diz o scholar norte-americano Donald Davidson, uma verdadeira celebridade entre os pesquisadores da filosofia analítica.
A credibilidade junto ao público leitor comum sustenta o conhecimento jornalístico, não com a garantia da verdade lógica, e sim com a caução da veracidade, entendida como um apego ou uma inclinação para a verdade consensualmente estabelecida em torno do fato. O aprofundamento das verdades costuma ser atribuído de preferência ao conhecimento sistemático, que é o tipo de saber produzido pela ciência.
O conhecimento jornalístico não é sistemático, claro. Mas um conhecimento dessa ordem, mesmo sem conexões lógicas de conceitos e expressões, pode comportar graus diferentes de aprofundamento de um fato, a exemplo do jornalismo. É que são vários os níveis de significação possíveis de um fato: a escolha do nível superficial ou do profundo depende do sistema de produção de conhecimento a ele pertinente.
Ainda na primeira metade do século passado, o jornalista e sociólogo norte-americano Robert Ezra Park, membro da Escola de Chicago, divisava dois tipos de conhecimento na notícia, a saber, acquaintance with (‘familiaridade com’) e knowledge about (‘saber sobre’), distinguindo um do outro pelo maior grau de profundidade: o segundo é mais sistemático ou analítico, enquanto o primeiro é não-sistemático, fragmentário e comunitariamente partilhado em maior extensão.
Pois bem, hoje são vários os que se aventuram a fazer prognósticos sobre o futuro da forma noticiosa, apostando na idéia do ‘saber sobre’, isto é, no aprofundamento da informação rumo à complexidade do fato.
Verdade consensual
Não raro, porém, a simplicidade da notícia ainda oferece hoje boas lições de jornalismo. Um exemplo recente é o noticiário dos grandes jornais cariocas e paulistas sobre a recepção calorosa dada por políticos de todos os partidos ao senador Fernando Collor em seu retorno triunfal às hostes parlamentares. Com exceção do senador Pedro Simon, que reavivou na tribuna do Senado a memória das circunstâncias da cassação de Collor, todo o resto pautou-se pela ‘lavagem’ do passado. Lava-se dinheiro, por que não História?
A atitude da imprensa pareceu-nos correta. Registrou o discurso do ex-presidente com todas suas denegações dos fatos e suas alegações de inocência. Deu conta igualmente de todas as efusões ao redor do recém-chegado ao Senado. E, de sua parte, em vez de opiniões ou comentários, limitou-se a editar uma retranca em que rememorava a verdade publicamente consensual dos fatos passados. Sem aprofundamento sistemático, sem opiniões, a forma noticiosa que reapresentava o histórico do senador foi bastante, em sua simplicidade ‘cortante’, para fazer pensar sobre a realidade penosa da política.
Um ponto glorioso para a velha objetividade da notícia.
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Jornalista, escritor, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro