Desde domingo (28/11), o Wikileaks põe em xeque o Departamento de Estado estadunidense, e não são poucos os que prognosticam semanas de intensa mobilização informativa pelo vazamento de 250 mil relatórios das embaixadas estadunidenses no mundo.
Durante vários dias, os jornais The New York Times, The Guardian, El País, Le Monde e Der Spigel, entre os mais influentes do planeta, têm revelado parte do conteúdo das mensagens que hoje ocupam a cabeça da diplomacia dos Estados Unidos.
Hillary Clinton, secretária de Estado, de imediato qualificou este fato como um ataque não só aos interesses da política externa de seu país, mas também contra a comunidade internacional.
Especialistas asseguram que os 1,6 gigabytes de arquivos de textos vazados revelam uma história diplomática contemporânea sem precedentes.
Estes documentos foram retirados da própria rede cibernética de informação do Departamento de Defesa, conhecida como Siprnet, a que mais de dois milhões de especialistas estadunidenses têm acesso.
Por tal motivo, as Forças Armadas estadunidenses mantêm detido, há sete meses, o soldado Bradley Manning, de 22 anos, suspeito de baixar material secreto sem autorização enquanto exercia o cargo de analista de inteligência em uma base militar no Iraque.
Ordem de prisão
Manning será levado a julgamento militar no próximo ano, sob suspeita de ter facilitado ao Wikileaks o vídeo de um helicóptero militar que assassinou vários civis em Bagdá, inclusive dois repórteres da Reuters, além de centenas de milhares de documentos sobre as operações no Afeganistão e Iraque.
Também atribuem a ele a cópia dos novos relatórios que estão expostos nos cinco jornais escolhidos para divulgá-los em conjunto com este site, ainda que o Wikileaks permaneça praticamente bloqueado desde o domingo passado.
Seu acesso é negado como consequência de um ataque cibernético de 10 gigabytes por segundo, equivalente – segundo especialistas – à ação simultânea de dois milhões de computadores.
Não obstante, afirmam analistas, estes novos dados colocaram em estado de debate, alerta e consternação o governo dos Estados Unidos, a comunidade internacional, a diplomacia e o exercício do jornalismo na era da internet.
Crua e claramente estão mostradas as evidências das torturas, dos disparos abundantes contra civis, os arranjos nos bastidores para entorpecer a justiça, as pressões contra governos e até a maneira de buscar pretextos para justificar guerras.
E ainda que as opiniões tenham ido desde a aprovação até a crítica das ações do Wikileaks e de seu fundador, Julian Assange, ninguém pôde negar a veracidade dos conteúdos expostos e não é pouco o esforço para conduzir os debates para a legalidade dos procedimentos do site, em vez da análise dos conteúdos expostos.
Sobre Assange, cujo paradeiro se desconhece, pesa hoje uma ordem mundial de prisão, emitida pela Interpol. Ele também é investigado nos Estados Unidos, onde poderia enfrentar penas segundo a Lei de Espionagem.
Apenas o começo
Enquanto tenta-se descarrilhar a verdadeira polêmica sobre os significados destas provas documentais originais, várias análises concordam e insistem que os meios tradicionais já perderam o monopólio da informação que antes gozavam. O vazamento que hoje dá a volta ao mundo começou a se mover a partir de uma memória portátil do tamanho de um dedo, para depois passar a uma página na internet e, em seguida, aos cinco jornais escolhidos. Ao rádio e a televisão só restou comentar o ocorrido.
Pepe Escobar, autor de Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, afirma que é saudável saber que, em segredo, o imperador (do Norte), agora completamente nu, fala mal de seus amigos, bajuladores e inimigos, e demonstra que não é nada amigo da informação democratizada.
Na sua opinião, demonstra-se novamente que a verdadeira informação está na Internet, e não nos meios corporativos globais. ‘Os cidadãos do mundo deveriam fazer o melhor uso para desmascarar e ridiculizar o poder’, expõe Escobar em recente artigo na página de internet Rebelión.
Para Noam Chomsky, reconhecido acadêmico estadunidense, não é novidade usar os vazamentos para revelar provas documentais originais. Ele está convencido de que, quanto maior for a acessibilidade à informação com as modalidades eletrônicas, mais casos similares a este surgirão. No seu entendimento, o que o Wikileaks está fazendo é uma forma legítima de jornalismo, ainda que se tomem medidas severas de bloqueá-lo.. ‘Há coisas nos telegramas que os governos não querem que sua própria população saiba’, assegura.
Amy Davidson, editora da revista The New Yorker, alerta que não faltarão vozes para acusar Assange e seus colaboradores de espiões e pedir que sejam incluídos na lista de combatentes inimigos. Também prevê que sejam congelados os ativos da organização e seus integrantes, além de aplicar sanções financeiras às instituições que colaborem com ela e ordenar ao Cibercomando dos Estados Unidos para que sejam golpeados pela via eletrônica.
Não serão poucas as ações contra o Wikileaks, a gota incômoda que colocou hoje, de pernas para o ar, a política externa estadunidense. A caçada de Assange e de sua equipe apenas está começando.
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