Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A guerra anunciada com os gráficos

Quando a administração do jornal Le Monde adotou o uso de computadores para o trabalho de impressão do diário, no início da década de 90, esperava uma eficiência maior e custos mais baixos. Essa, porém, não era a prioridade do Syndicat Général du Livre et de la Communication Ecrite (equivalente ao Sindicato dos Gráficos), o sindicato que controla a impressão dos jornais nacionais franceses. Exigiu que, para cada novo computador, Le Monde pagasse a um gráfico para digitar e a outro, simultaneamente, para acompanhar a tela do monitor. E conseguiu.

Os jornais franceses são tão intimidados pelos sindicatos de gráficos quanto eram os jornais ingleses até que Rupert Murdoch – um barão da mídia que recentemente enfrentou outro tipo de dificuldades – ajudou a quebrar sua força na década de 80. O Sindicato dos Gráficos francês controla a impressão e distribuição dos jornais diários nacionais desde 1947. Assim como era antigamente com os sindicatos ingleses, só seus trabalhadores podem imprimir e distribuir títulos nacionais. Quando entra em greve, os jornais não saem. Com a circulação e as vendas suspensas, seus proprietários perdem dinheiro como alguém com um aspirador na carteira.

Le Monde é um jornal intelectual, de centro-esquerda, diante do qual os políticos tremem. (John Elkann, um de seus diretores, também é diretor do Economist.) No ano passado, Le Monde quase foi à falência e foi resgatado por três empresários: Xavier Niel, um bilionário da internet, Matthieu Pigasse, um banqueiro de investimentos, e Pierre Bergé, ex-sócio de Yves Saint-Laurent. Atualmente, Niel, o mais rico dos três e o mais envolvido no negócio, está batendo de frente com o sindicato.

Quando Murdoch humilhou os gráficos

“As dificuldades do trabalho gráfico são como um câncer corroendo o Monde”, diz ele. Os novos proprietários cortaram custos editoriais e administrativos (ressaltando, por exemplo, o fato de que alguns jornalistas escreviam apenas uma matéria por ano). No geral, excluindo os custos de impressão, o grupo terá um faturamento de 5 a 10 milhões de euros (de 11 a 22 milhões de reais) em 2011, um progresso considerável após anos de prejuízos. A gráfica, com uma perda anual de 3 milhões de euros (6,6 milhões de reais) irá sugar boa parte dos lucros. Tem contratos com alguns outros jornais impressos, além do próprio Monde, mas estes vão sair, o que significa que as perdas logo pularão para cerca de 22 milhões de euros ao ano.

Xavier Niel pretende demitir 220 dos 260 trabalhadores da gráfica. Isso representa quase um quarto do número total de associados do Syndicat du Livre. Por ser obrigado a rodar principalmente em sua própria gráfica, perto de Paris, Le Monde, que é vespertino, os leitores de outras regiões o recebem com um dia de atraso. A empresa também planeja fechar duas de suas três gráficas parisienses e passar a utilizar gráficas regionais para chegar aos leitores pontualmente.

Quando Rupert Murdoch (e Eddie Shah, outro magnata, seu colega) humilhou os sindicatos de gráficos da Grã-Bretanha montando suas próprias gráficas, toda a indústria jornalística britânica ganhou novo fôlego. De repente, os jornais descobriram que podiam cortar os custos de produção, melhorar sua qualidade e lançar novos produtos. Xavier Niel poderia vir a libertar a indústria francesa da escravidão.

Le Monde arrisca sua própria destruição

O Syndicat du Livre usou sua força para reivindicar cada vez mais postos de trabalho e reajustes salariais. Louis Dreyfus, diretor-executivo do grupo Le Monde, faz uma comparação entre o número de postos de trabalho do diário suíço Le Temps, que emprega 24 gráficos para produzir o jornal, os 110 gráficos que produzem Le Figaro, o principal jornal de centro-direita francês, com os 260 gráficos do Monde. Em média, o custo de impressão dos jornais franceses é 40% mais caro que em qualquer outro país europeu, diz Arnaud Puyfontaine, que em 2009 participou de uma pesquisa lançada pelo presidente Nicolas Sarkzy para avaliar por que os jornais franceses são tão fracos. Os jornais são obrigados a cobrar mais caro pelo preço de capa para compensar. Isso leva à baixa circulação (veja o quadro). Muitos jornais dependem de subsídios para sobreviver.

A guerra começou: em junho, ao mesmo tempo que entravam em greve, 200 sindicalistas invadiram a sede da empresa Iliad, fundada por Xavier Niel, exigindo falar com ele. Le Monde acredita que o sindicato esteja preparando uma longa greve para setembro, quando termina o recesso das férias e, justamente, quando o jornal tem mais a perder.

As apostas são altas. Se aceitar um corte de 85% dos postos de trabalho, o sindicato termina, enquanto força política. E logo outros patrões da mídia iriam exigir um grande número de demissões. E Le Monde arrisca sua própria destruição, mesmo que vença a parada. Niel não pretende usar táticas tão drásticas quanto as de Murdoch; ele e seus co-investidores não irão fechar as gráficas existentes e abrir outras para contornar o sindicato dos gráficos. A última vez que um jornal tentou demitir um grande número de gráficos sindicalizados foi em 1975, quando o diário Le Parisien Libéré anunciou 200 demissões. Após uma violenta greve, que durou meses, Le Parisien perdeu metade de sua circulação e nunca se recuperou.

Impacto na liberdade de expressão

Na condição de oitavo homem mais rico da França, Xavier Niel conseguiria enfrentar meses de greve, mesmo a um custo calculado de pelo menos 200 mil euros (440 mil reais) por dia à empresa. Outra arma é seu status de empresário da internet. Todos os seus outros investimentos em jornalismo são online. Ele foi cofundador de vários e influentes websites vinculados à mídia francesa, como Mediapart, Electron Libre e Bakchich. Os novos administradores do Monde pretendem integrar o jornal impresso ao seu website – até o momento, as duas operações são em grande parte desvinculadas. Quando o Syndicat du Livre entra em greve, Le Monde põe sua versão impressa integralmente online. “O sindicato tem consciência de que existe o risco de uma longa greve acelerar o processo de tornar o jornal inteiramente digital”, diz Louis Dreyfus.

Por outro lado, Niel talvez não usufrua de uma das principais vantagens de Rupert Murdoch. Margaret Thatcher, então primeira-ministra da Grã-Bretanha, fez questão que a polícia protegesse os fura-greves que comparecessem à nova gráfica de violência por parte do sindicato. Já Sarkozy, num ano que antecede o da eleição presidencial, vê com cautela a posição de Xavier Niel e não vê com bons olhos a possibilidade de uma briga com um sindicato poderoso. Mas sabe que os jornais nacionais franceses estão em piores condições do que em outros países. Tornar a indústria viável de novo causaria impacto na liberdade de expressão. E para isso, uma parada temporária das rotativas parece um preço que vale a pena pagar.

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[Da Redação do Economist]