Sentado entre os 1.200 empresários que foram nesta semana ao hotel Grand Hyatt, em São Paulo, ouvir uma palestra do ex-presidente americano Bill Clinton, o diretor de uma empresa do setor automobilístico confessava a um grupo de interlocutores que se considerava absolutamente desinformado sobre o mais recente escândalo político da República. ‘Pelo que li e ouvi até agora, só sei que nada sei’, brincou. Privilegiado pelo serviço de clipping oferecido por assessores, que lhe dá uma visão panorâmica de toda a mídia nacional, nem assim ele se sentia capaz de fazer uma avaliação sobre o alcance das falcatruas noticiadas. ‘Por enquanto, só sabemos o que foi dito por gente muito suspeita ou por ladrões confessos’, ponderou, dizendo-se esperançoso de que as revistas de informações o iluminassem no fim da semana.
Deve estar frustrado. Nenhuma das revistas semanais avançou significativamente sobre o que já vem sendo noticiado pelos jornais. A revista Veja, líder de tiragem, oferece ao leitor, na presente edição, meia página de um editorial, pouco mais de uma página com cinco perguntas sem respostas e uma frase de Millôr Fernandes para consolidar o noticiário dos últimos dias sobre o escândalo político envolvendo partidos da base de apoio do governo. O editorial aposta na responsabilidade do PT.
A reportagem, porém, ressalva que ‘já apareceram fartos sinais de que o mensalão pode mesmo ter existido no Congresso Nacional, mas, ao contrário do que diz Jefferson, nada surgiu envolvendo o PT. O que apareceu, até agora, envolve o PL e o PP’. A frase de Millôr, posta na boca de uma ratazana: ‘Tive uma idéia, companheiros do PRB (Partido da Rataria do Bem): vamos botar a culpa no queijo’. Completa o material vasta citação de fatos já noticiados pelos jornais diários e uma enquête com 55 leitores, na qual transparece – mas não é explicitada – a persistência da aprovação popular ao governo e ao presidente Lula.
Veja costuma refletir, às vezes com tintas mais fortes que afetam sua credibilidade, o que a chamada grande imprensa brasileira pensa que é o pensamento da classe média brasileira. Sem a mesma capacidade de prospecção que já teve em outros tempos e com evidentes sinais de esgotamento em sua disposição para oferecer uma visão mais ampla da realidade nacional, a revista-símbolo da Editora Abril contribui para reforçar no sentimento nacional a rejeição à corrupção. No entanto, a contenção de seu texto entre as paredes das premissas de seus editores dificulta uma compreensão mais profunda dos fatos e incita o leitor menos criterioso a julgar que tudo é igualmente podre entre os políticos.
À espera
Com mais tempo para digerir as revelações que se sucederam ao longo da semana, espera-se das revistas semanais que ajudem o leitor a estender sua visão dos fatos para além do horizonte curto da notícia em si. Elas existem para ajudar o cidadão a exercitar o espírito crítico, rever constantemente seu papel no contrato social de que faz parte e assim fazer escolhas que confluam para o interesse geral da sociedade. O que, de resto, também é papel dos diários e da imprensa eletrônica: a notícia bem postada em contexto adequado ajuda a consolidar a modernidade, pela democrática aceitação da diversidade social e política e pela necessária indignação com atos que prejudiquem o interesse comum.
Parece básico, mas é lição esquecida nas redações nas últimas semanas. Há uma grande distância entre a necessidade e obrigação de dar repercussão a notícias sobre corrupção e o evidente esforço da imprensa em geral para induzir a opinião pública a conclusões ainda não autorizadas pelo que se conhece das negociatas no Congresso Nacional.
Bandidos notórios e meliantes confessos desfilam como heróis da moralidade, pelo fato de que, tendo sido descobertos, se dispõem a lançar o lodo de si sobre as pás do ventilador. Até mesmo o respeitável Roda Viva, da TV Cultura, segunda-feira passada (20/6), pareceu a muitos telespectadores demasiado leniente com as espertezas cênicas do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), cuja biografia não é exatamente um conto de castidades.
Nesse cenário, chamou atenção a reportagem dada pela Gazeta Mercantil quinta-feira, dia 23, na primeira página, com seguimento na página A-9, sobre o depoimento do ex-diretor de contratações e compras dos Correios Maurício Marinho, aquele que protagoniza o vídeo repugnante com cenas de corrupção explícita que deu início a este sórdido capítulo da história política do país. Ao contrário dos outros jornais, que deram ao ladrão confesso tratamento de testemunha ilibada, a Gazeta, naquele estilo direto com que trata as coisas de economia e negócios, cravou: ‘Marinho, acuado, lança acusações sem provas’. O texto que se segue nada fica a dever ao que publicou a chamada mídia genérica, a ‘grande imprensa’. Apenas tem a qualidade de situar o personagem onde deveria estar: um criminoso apanhado em flagrante tenta retirar de si os holofotes lançando acusações contra personagens de maior visibilidade.
No mais, seguimos nós, leitores e telespectadores, à espera de que o jornal que assinamos seja contemplado pelos distribuidores de vídeos, dossiês e telefonemas grampeados, pois nem mesmo a imprensa semanal tem sido capaz de avançar para além do que os próprios suspeitos têm a confessar sobre o crime.
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Jornalista