Entre as revistas semanais de informação, apenas Veja enxergou importância na notícia divulgada na quarta-feira (29/10), pelos diários, sobre o questão da extrema exploração da natureza pela sociedade contemporânea. Os dados foram compilados e divulgados pela ONG WWF – World Wildlife Fund – e dão conta de que, para satisfazer os atuais níveis de consumo da humanidade, seria necessário um patrimônio biológico 30% maior do que a Terra pode oferecer. Nesse ritmo, em 2030 é possível que a demanda alcance o dobro do que o planeta é capaz de produzir, e que os recursos naturais entrem em colapso.
Os especialistas chamam de biocapacidade o potencial de produtos e substâncias que os ecossistemas oferecem ao ser humano, incluindo os chamados ativos ecológicos presentes no oceano e nos rios. Os estudos são feitos há sete anos e correlacionam o aumento do consumo e a perda do patrimônio natural pela devastação de florestas, pela superexploração de terras agriculturáveis, a poluição do ar, da terra e dos cursos d´água.
Veja dedica ao tema quatro páginas bem ilustradas, material interessante para trabalhos escolares no ensino médio. Mas, como fizeram os jornais na semana passada, isola o assunto no nicho do noticiário ambiental, aquilo que antigamente se convencionava chamar de questão ecológica. E passa ao largo de aspectos cruciais para que o leitor entenda o tamanho da encrenca: não se trata apenas do volume do consumo, mas também – e principalmente – da qualidade do consumo e do sistema econômico que o provê e justifica.
Prioridade equivocada
Praticamente toda a imprensa usou como base para suas reportagens o relatório e os comentários divulgados pela WWF na terça-feira (28/10). Os dados básicos ainda estão disponíveis no site da ONG, de onde se pode acessar também o sumário do relatório, distribuído aos órgãos de imprensa em português, bem como a íntegra do documento, em inglês. Na fonte estão bem claros os elementos para uma análise mais profunda, que a imprensa brasileira preferiu contornar. E se trata de muito mais do que aquilo que os jornalistas costumam chamar de ‘o problema ambiental’.
Para ser bem compreendido, o processo que pode conduzir ao colapso das reservas biológicas do planeta – com as previsíveis conseqüências de fome, conflitos sociais e tudo o mais que pode ser calculado num cenário como esse – precisa ser relacionado ao outro noticiário que tem tomado a atenção da imprensa nas últimas semanas: a crise financeira mundial. A Folha de S.Paulo chegou perto dessa conexão ao observar que, ao consumir mais do que o planeta é capaz de produzir, o ser humano está criando uma ‘bolha’ de crédito semelhante à que levou às atuais turbulências que assombram o sistema global de negócios. Mas não foi além disso.
O cruzamento do noticiário econômico com as revelações do estudo conduzido pela WWF deveria estar convencendo a imprensa a colocar em debate público o sistema econômico mundial, os hábitos de consumo que predominam na sociedade contemporânea, as estratégias de desenvolvimento que não levam em conta os paradigmas da sustentabilidade e até mesmo o significado das inovações tecnológicas em vários campos do conhecimento, que priorizam desempenho em vez de eco-eficiência.
Sabedoria indígena
Esse painel deveria ser estendido por trás de todo o noticiário que discute políticas públicas e precisa estar obrigatoriamente em todas as entrevistas com investidores, empresários, líderes da chamada sociedade civil, candidatos a cargos públicos e políticos em posição de mando.
Num país como o Brasil, que se destaca entre as nações que se candidatam ao desenvolvimento, esse deveria ser o tema central em todos os debates: que país queremos ser? Queremos nos tornar uma nova versão dos Estados Unidos, onde as famílias de classe média consomem quase cinco vezes o que a natureza pode produzir?
A imprensa não pode fingir um distanciamento que não se confirma na realidade. Até onde se pode observar, jornais e revistas, emissoras de rádio e TV e provedores de conteúdo jornalístico na internet ainda são feitos por humanos que habitam este planeta.
Em 1854, o chefe Seattle, líder da tribo Duwamiski, recebeu um emissário do presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, que pretendia comprar as terras do seu povo. A carta que Seattle ditou em resposta ainda é uma demonstração de sabedoria que a humanidade insiste em ignorar. Diz um trecho da mensagem:
‘O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida, ele é simplesmente um de seus fios. Tudo que fizer ao tecido fará a si mesmo’.
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Jornalista