Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A imprensa e as bolhas extremistas

Foto: Freepik

A imprensa tem alguma participação na multiplicação de grupos ultraconservadores no país? A maioria dos jornalistas dirá que não, mas se formos detalhar, por exemplo, a forma como os caminhoneiros se mobilizaram para bloquear estradas, veremos que a informação jogou um papel muito importante nos protestos. 

Como a informação é a matéria prima da imprensa e do jornalismo, ambos passaram a ser parte do problema, embora as redes sociais sejam as principais responsáveis pelos insumos informativos responsáveis pela formação de grupos ultraconservadores, as chamadas bolhas de extrema direita, como as que organizaram protestos em frente a quartéis militares pedindo um golpe de estado no país.

Apesar de serem parte do mesmo problema, há uma diferença qualitativa e quantitativa na participação tanto do jornalismo e da imprensa como das redes sociais na maneira como ambas as partes manejam os dados, fatos e eventos disponibilizados para o público.  Já se sabe que a informação leva as pessoas, com visões de mundo semelhantes, a se juntarem em grupos e que tendem a se radicalizar na medida em que rejeitam ideias e comportamentos diferentes dos seus. (1)

O jornalismo tem uma função qualitativa fundamental no fluxo de informações responsáveis pela formação de bolhas extremistas porque a imprensa serve de caixa de ressonância para o que é divulgado nas redes sociais. A imprensa já não tem mais o monopólio na disseminação em massa de notícias urgentes, mas influencia poderosamente o ambiente em que serão disseminadas informações, falsas e verdadeiras, por empresas como Facebook, Twitter e WhatsApp, por exemplo.

Informações qualificadas são, no momento atual, aquelas que reduzem tensões sociais, políticas e econômicas.  Pesquisas citadas por professores Serge Moscovici e Marisa Zavalloni, Ecole Pratique des Hautes Etudes, em Paris, afirmam que a polarização pode ser freada ou desestimulada quando as trocas de dados, fatos e informações entre as pessoas ocorrem num ambiente com baixo nível de tensões sociais, políticas e econômicas. Segundo os dois autores, neste tipo de ambiente as opiniões moderadas tendem a se sobrepor às extremistas enquanto num clima de tensão, geralmente prevalecem as opiniões mais radicais.

Uma nova agenda jornalística

Para atingir este objetivo, passa a ser mais importante publicar notícias e informações visando estimular a reflexão das pessoas do que seguir a rotina tradicional no jornalismo de publicar notícias chamativas e de impacto capazes de valorizar espaços publicitários pagos. A preocupação em imunizar leitores, ouvintes, telespectadores e internautas contra a polarização e o extremismo leva, portanto, à necessidade de inverter a agenda noticiosa da imprensa.  

Trata-se de estabelecer novas prioridades na hora de produzir notícias tendo como estratégia editorial estimular a reflexão entre leitores, ouvintes e telespectadores sobre as causas e consequências do processo polarizador em curso na sociedade. Atualmente, a imprensa prioriza temáticas parlamentares, corporativas e militares como se ela fosse uma protagonista direta do jogo pelo poder político e econômico. Estimular a reflexão implica contextualizar cada informação, situando especificamente suas causas e consequências para permitir que o público tenha uma visão mais ampla e diversificada das questões publicadas pela imprensa.  

 

A mudança de padrões noticiosos é uma necessidade concreta e imediata porque segundo pesquisas publicadas pelo site da Escola de Negócios, da universidade Stanford, dos Estados Unidos, a polarização e o extremismo favorecem a criação de ambientes sociais estimuladores da violência interpessoal ao mesmo tempo  que desorganizam os sistemas produtivos, como comprovam os bloqueios de estradas promovidos por bolhas criadas por caminhoneiros e donos de empresas de transporte de cargas.  

Notas

[1] Mais detalhes no livro Going to Extremes, de Cass Sunstein (Oxford University Press, 2009, ainda sem tradução ao português)

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.