O noticiário de terça-feira (16/8) oferece oportunidade para algumas reflexões sobre a linguagem da imprensa e certas mudanças de conceitos que se consolidam ao longo de uma crise como a que vive o mundo desenvolvido.
O Estado de S.Paulo foi explícito ao afirmar, em sua primeira página, que a presidente Dilma Rousseff pretendeu “mostrar rigor fiscal” ao vetar artigo que previa reajustes acima da inflação no ano que vem para benefícios do INSS superiores ao salário mínimo.
Os outros jornais de circulação nacional também detectam, em decisões recentes do governo, sinalizações de futuros arrochos nos gastos públicos como defesa contra possíveis efeitos da crise na Europa e nos Estados Unidos. Apenas noticiam, sem duvidar a priori das intenções do Executivo – as decisões falam por si.
Para o leitor distraído, é tudo a mesma coisa. Para o leitor atento, há muita diferença entre noticiar medidas efetivas de cortes e opinar que o governo quer “mostrar rigor fiscal”.
Quadrilha atuante
Certas características da linguagem jornalística permitem detectar quando determinado assunto fluiu naturalmente pelo sistema de edição e quando a notícia foi apropriada pelo opiniário da cúpula do jornal.
No processo de adaptação de suas relações com a atual chefe do Executivo, os jornais têm intercalado momentos de apoio explícito a determinadas medidas, como as demissões de ministros e assessores acusados de corrupção, com recaídas em manifestações de desconfiança sobre a determinação do governo de promover mudanças em suas relações com a base parlamentar.
É como se a imprensa temesse ser chamada de governista mesmo quando o bom senso manda apoiar certas decisões governamentais.
A noticiar uma decisão concreta de contenção de gastos como se fosse uma medida “aparente”, o jornal revela esse preconceito e demonstra que evita acreditar na efetividade do fato noticiado por ele mesmo.
Existem circunstâncias em que as convicções dos donos da mídia a respeito de quem ocupa o posto máximo da República precisam ser submetidas à autocrítica em função de contingências superiores. Uma dessas contingências é o fato incontestável de que uma quadrilha encastelada em Brasília ameaça fragilizar os fundamentos da economia nacional por conta de seus lucros privados e ganhos paroquiais, em associação com interesses corporativos de uma elite de privilegiados.
A bancada da propina
A imprensa tem tratado a crise econômica no mundo desenvolvido e a estratégia de defesa da economia nacional em cenários distantes um do outro, no noticiário. A convergência só é feita nos textos opinativos.
Além disso, coloca o noticiário sobre suspeitas e casos concretos de corrupção num terceiro escaninho, como se os vícios da política de alianças heterodoxas não afetassem as decisões econômicas do governo.
Ora, se os políticos e partidos mais atingidos pelo combate à corrupção ameaçam aumentar os gastos públicos como revanche contra as demissões de seus apaniguados, isso é também assunto de economia.
Se o governo faz um esforço para adequar as contas públicas ao cenário internacional adverso e parlamentares influentes ameaçam colocar em risco a segurança econômica do país, não há por que tergiversar.
A edição de terça-feira (16/8) da Folha de S.Paulo cita técnicos do governo para alertar que a insensatez de alguns parlamentares pode levar o Brasil a uma situação semelhante à da Grécia, que ameaça arrastar toda a Europa para o abismo fiscal.
Exageros à parte, trata-se de uma rara decisão editorial que coloca no mesmo contexto a crise global, as estratégia de defesa econômica do governo brasileiro e o custo social da corrupção.
Estamos tratando com máfias que se valem do sistema eleitoral – e da propriedade de meios de comunicação, diga-se de passagem – para estabelecer seus negócios com dinheiro público.
O corrupto costuma atuar travestido de excelentes intenções, como a proposta de remunerar condignamente os servidores federais, os magistrados à frente.
O efeito cascata de uma proposta como essa colocaria as contas públicas em risco.
Se os Estados Unidos são ameaçados pela estupidez dos representantes do Tea Party, o Brasil corre riscos pela ganância do “Bribe Party”, ou a “bancada da propina”, que atende em variadas siglas.
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Observatório na TV
No começo deste mês, as Organizações Globo lançaram um documento com seus princípios editoriais. De acordo com a empresa, o objetivo “é não somente diferenciar-se, mas facilitar o julgamento do público sobre o trabalho dos veículos, permitindo, de forma transparente, que qualquer um verifique se a prática é condizente com a crença”.
Mas qual a garantia de que os princípios do texto serão realmente aplicados?
O Observatório da Imprensa na TV dessa terça-feira vai analisar o documento das Organizações Globo e debater seu conteúdo.
O Observatório da Imprensa na TV vai ao ar às 22h pela TV Brasil, ao vivo, em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky.