Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa e o seu leitor

A única mensagem sobre os 24 anos. completados na quinzena anterior por este jornal, segue abaixo, de autoria do ombudsman Marlon Araújo. Seria presunção esperar que a data festiva fosse lembrada pelos leitores desta publicação? Ou que, tomando conhecimento do seu registro, os leitores tivessem a iniciativa de entrar na roda, com seus aplausos, reflexões ou críticas?

Não aceitando publicidade, o JP não poderia tirar uma edição especial entulhada de anúncios. Por ser um verdadeiro jornal do leitor, teria a expectativa de que aquele que compra este quinzenário trataria de dar sua contribuição para que sua fonte de leitura prossiga sua história, que não é comum na imprensa brasileira (quiçá mundial?).

Não é a vaidade do editor único do jornal que está em causa. É a parcela de cidadania que o anima a prosseguir nesse empreendimento. É a renovação do objetivo que levou à criação deste jornal, como experiência-limite do jornalismo que já se vinha praticando: utilizá-lo como arma de combate ao destino colonial que é imposto à Amazônia. Essa arma é formada por boa informação em tempo manufaturável e disposição para intervir no enredo montado lá fora, reescrevendo-o.

A informação está aí, mais uma vez. Por onde anda a vontade? Por que o aperfeiçoamento e a difusão do conhecimento não impulsionam o leitor a também agir como cidadão? Na resposta a essa pergunta crucial se revela a maligna condição colonial, que submete o colonizado ao colonizador, como se o garrote do poder fosse inexorável, fatal. As vozes clamam no deserto.

O ombudsman valorizou a seção “No Coletivo”, inaugurada na edição passada. O tema é vital para 800 mil pessoas na Grande Belém. Mas não interessa aos que montam em seus cavalos de força com carcaça de aço; e, uma vez motorizados, se lixam para o mundo, donos do seu umbigo, restritos ao limite dos seus narizes.

A grande incógnita que surge diante de quem pensa o seu tempo é saber se desta vez teremos o desenvolvimento consolidado, que se estabelece para mudar radicalmente a história, como uma revolução, ou se será mais um efeito bumerangue das fases de crescimento do Brasil. A riqueza chega a um determinado limite e depois volta atrás, causando destruindo no rastro de retorno. O que torna perene a riqueza criada pelo homem é a sua argamassa de civilização. É o produto mais vital em falta no mercado. (Lúcio Flávio Pinto)

A caminho das bodas de prata, que valem ouro…

É setembro de 1987. 1ª quinzena. Paulo Fonteles está morto. Há 3 anos malograra a campanha por eleições presidenciais diretas. Sarney é presidente do Brasil, o que pode ser visto como um golpe divino à democracia (se é que não foi humano demasiado humano) – pois, aliado aos militares da ditadura de 64, até os últimos suspiros da repressão, o político maranhense “mudou” rapidamente de lado, indo parar exatamente no partido da oposição consentida ao regime militar, o MDB, que viria a se tornar o PMDB.

Instalada desde fevereiro, a constituinte trabalha para oferecer ao país o texto que ficaria conhecido como a Constituição Cidadã. O clima, portanto, está propício a grandes acontecimentos, dado o momento de transição. Embora não se soubesse muito bem para onde tudo caminhava, era inabalável a certeza de onde se queria sair…

Eis, assim, dois acontecimentos, entrelaçados, que, a seu modo, demonstram a rebeldia cabana que parece pulsar em alguns paraenses (de sangue ou adotados): a morte de Paulo Fonteles e quase três meses depois, a circulação do 1º número do Jornal Pessoal, cuja matéria de capa tratava da morte do deputado comunista. Não li o número de estréia do grande-pequeno JP: tinha 5 anos de idade.

Mas saber que parte do coração do jornal tratava das estranhíssimas circunstâncias do brutal assassinato de um dos opositores do regime militar, quando o regime ainda não se considerava definitivamente defenestrado, faz pensar que o JP não temuma carta de princípios, uma declaração de propósitos, ele foi, nestes 24 anos de história, quinzenalmente, a carta de princípioscumprindo religiosamente todos os propósitos estabelecidos por seu solitário editor: jornalismo comprometido com os fatos, doa a quem doer; por isso mesmo, sempre na linha de tiro dos poderosos, sequiosos por amordaçar quem ouse esquartejar suas histórias, as mais das vezes impublicáveis, por envolverem travessuras das quais órgãos punitivos do Estado ou a sociedade certamente desejariam mais detalhes para atuarem conforme seus poderes.

Informação relevante, compromisso com a verdade, respeito à inteligência dos leitores, esse é o patrimônio do JP, que credencia a publicação às menções honrosas que obteve, aos prêmios recebidos por seu editor e que também desencadeia a ira de quem tem o que esconder. Prazer, paz, fúria, insatisfação, indisposição, indignação, desapontamento são alguns dos sentimentos experimentados pelos leitores do JP. Mas fiquem tranqüilos, são sentimentos bem comuns quando o ser humano é exposto aos fatos.

Tanto é assim que um dos pais de nossas letras modernas, o grande Machado de Assis, no conto O Espelho, disse: “Os fatos explicarão melhor os sentimentos; os fatos são tudo”. Ao ler o JP, só se pode concluir que Machado tem razão. E se é assim, só nos resta parabenizar este periódico por seus vinte e quatro anos de compromisso com a verdade, com a informação segura, com a formação do leitor para que este se torne o cidadão que a Amazônia, seu alvo central, merece. Vida longa e intrépido rumo aos 25 anos…

Jornalismo no Pará, panfletaria das lideranças.

Quando se lê os textos encomendados a Lúcio Flávio Pinto para a comemoração do também aniversariante deste mês, o Diário do Pará, logo se percebe porque não foram publicados na edição comemorativa: questionam a fórmula do jornalismo praticado no Pará, da qual o Diário é uma autêntica expressão. Lembro, no entanto, que Lúcio Flávio já foi convidado a palestrar na Escola do Diário para Jornalistas. Vêem contradição? Eu não.

Os donos do Diário não ignoram a procedência das assertivas de Lúcio no artigo e na entrevista; ao contrário, sabem-nas espelhos fiéis da conduta profissional que deveria guiar os jornalistas, principalmente os que atuam na Amazônia. As afirmações do editor deste JPestão “contaminadas” pela verdade. E a verdade? Ora a verdade… Perigo dessa medida não se publica dum modo assim tão desabrido (assim é que sempre se vê a verdade, sobretudo os que a temem).

Numa edição comemorativa de um órgão de imprensa grande (não de um grande órgão de imprensa!), o que se deseja mesmo é oferecer pão e circo. Não que matérias festivas não devam ilustrar momentos como este. O problema está no fundamento da festa, e como já não deve pairar dúvida, o jornalismo comprometido com a informação segura não parece ser um fundamento da festa do Diário; se não, por que proscrever as manifestações de Lúcio Flávio, solicitadas pelo próprio Diário?

Apesar de toda a deselegância e carência de regras de cortesia profissional, o episódio é mais pedagógico do que se pode pensar. Ficou bastante claro que o editor do Jornal Pessoalnão prepara textos de encomenda, ao gosto do freguês: seu compromisso não é com a satisfação do dono do jornal, mas com a do público leitor do que ele (Lúcio Flávio) assina, embora, muitas vezes, o público leitor descure desse compromisso que todo jornalista deve ter.

Poderia ser outro o desfecho deste aniversário do Diário do Pará, se sua história não estivesse com a gênese ancorada em algo que até pode ser o móvel da criação de um jornal, mas jamais seu fim permanente e fundamento: panfletar lideranças políticas. Jornais assim, bem se sabe, nascem com dias contados. Mas se aumentam os dias de sua conta, isto só pode se dever a uma mudança de rota ou a causas que já foram objeto de extensas matérias do JPsobre as relações da imprensa grande paraense com o poder público e com as elites sociais paraoaras.

Quando se pensa no que estigmatiza Jader Barbalho não fica difícil entender o que se passa com o jornalismo feito no Diário do Pará e para ser mais exato, no jornalismo feito n’ O Liberal.

A capa deste JPapresenta os contornos da artilharia direcionada contra Jader Barbalho. O STF se vale de argumentos formais para não devolver o mandato conquistado por Jader nas urnas e confirmado pela decisão que estabeleceu a inaplicabilidade da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010. Embora não tenha sido unânime, a decisão do Supremo tem um sentido claro e privilegia Jader, o que não o exime, obviamente, das acusações porque é processado.

A matéria enseja a reflexão sobre o fazer jornalístico, sobretudo em temas políticos. Expõe, de forma contundente, a escassa ou nenhuma informação, ou, se se preferir, o exagerado bombardeio de “informação” endereçada, acerca de assuntos que são de imediato interesse do povo paraense. Pouco importa a O Liberal se Jader é culpado ou não das faltas porque é processado, se tem ou não ficha limpa; já sabemos que lado escolheram os donos da publicação no famoso dilema atribuído a Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), também ao Barão de Itararé (Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly) – por alguns fãs do Barão, é claro: “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”.

A O Liberal só interessa o poder, não importa o síndico. Por isso tenta fragilizar o atual governador Simão Jatene e resgatar do ostracismo o ex-governador Almir Gabriel e a ex-governadora Ana Júlia. Tão dedicada a esses objetivos, é bem fácil entender o porquê da publicação relegar a último plano sua maior missão: informar, qualificadamente, o publico leitor (que ainda possui) – veja-se o exemplo das pesquisas encomendadas pelo Liberal ao Vox Populi, que dominaram a atenção da última página desta edição (496) do JP.

Pelo bem do povo do Pará, seria de indagar, assim, o dito popular: pau que nasce torto, pode se endireitar (para registro: não há mensagem subliminar nessa última palavra)?

A palavra é do leitor e que seja sempre assim!

O leitor Benedito Carvalho Filho apreendeu com muita perspicácia o rumo do debate que se vem fazendo neste jornal sobre a redivisão do Pará. Suas dúvidas são as de todos nós. Suas esperanças, que consegui entrever, também. O objetivo deste periódico é que o nível de consciência dos eleitores esteja elevado no dia do plebiscito; e mais: que se mantenha vigilante após a deliberação popular, seja qual for o resultado. Acostumados a não pensar, antes de votar, no dia seguinte à votação, os eleitores, “guiados” ou não pelas campanhas, terão mais uma chance de reacender discussões sobre temas importantes para todos os paraenses, cujos resultados servirão, inclusive, a um governo atento aos desejos de seus administrados, desejos esses que são apenas os compromissos constitucionalmente assumidos, em nível federal ou estadual.

Diante desse interesse do cidadão pelo seu cotidiano, penso que a coluna “No coletivo” terá repercussão intensa. A sugestão do telefone móvel no ônibus é boa, mas está sujeita a fraudes, como, por exemplo, o telefone não se encontrar com a bateria carregada, ou ainda estar com algum problema técnico, sem contar com as inúmeras outras modalidades de ardis que motoristas como o citado na coluna e cobradores da mesma turma bolariam para inviabilizar o sistema de reclamações. De todo modo, seria louvável a tentativa e se alguns fossem demitidos, para servir de exemplo, poder-se-ia ter por bem-sucedida a medida, ainda que malograsse depois…

Este Ombudsman é usuário do transporte coletivo e deixa aqui sua sugestão: afixar, em todos os ônibus que circulam na região metropolitana de Belém cartazes reproduzindo os artigos 6º e 7º, da Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que regula a concessão da prestação de serviços públicos, como é o caso do transporte de passageiros.

O art. 6º trata do serviço adequado, em que consiste; o 7º, dos direitos e obrigações dos usuários. Dentre os direitos, o de denunciar irregularidades na prestação do serviço ao poder concedente e à concessionária. Irregularidades que bem poderão ser interpretadas como prestação inadequada do serviço e conduzir à declaração da caducidade da concessão (perda pelos empresários do “direito” de nos martirizar cotidianamente nos coletivos). Esta é minha sugestão. Os leitores certamente terão outras. Daqui por diante, recomendo cuidados ao ler o JPnos coletivos…

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[Marlon Araújo é ombudsman do Jornal Pessoal (Belém, PA)]