A ONU informa que cresceu nos últimos dois anos, de 149 para cerca de 200, o número de ‘zonas mortas’ com baixo nível de oxigênio nos oceanos da Terra, o que ameaça os estoques de peixes. Essas áreas se tornam estéreis e contribuem para o rápido desaparecimento de espécies importantes para o equilíbrio ambiental marinho e para a alimentação humana. A situação se agrava com a prática do bycatch – para aproveitar ao máximo o combustível gasto numa viagem de dois mil a três mil quilômetros, os pesqueiros só estocam os peixes de maior valor no mercado. Assim, numa jornada longa, chegam a jogar fora mais de cinco vezes o volume que realmente será colocado à venda.
O parágrafo acima é um comentário de um trecho do minucioso relatório sobre o estado do mundo, divulgado na semana passada pelo Instituto Worldwatch, criado pelo ambientalista norte-americano Lester Brown. Trata-se de um extenso estudo, publicado anualmente pela instituição, que coleta e contextualiza as principais informações sobre a situação ambiental e social do planeta.
Lester Brown está longe de ser uma unanimidade. Suas opiniões sobre os biocombustíveis, por exemplo, são contestadas por especialistas renomados e ele é eventualmente acusado de demagogia. Mas o instituto que dirige tem uma alta reputação e seus registros sobre o estado do mundo, publicados há 25 anos, são um dos mais interessantes retratos da sociedade que vimos construindo nas últimas décadas. É uma fonte rica em diversidade de pautas, que a imprensa simplesmente ignora.
Para não cometer uma injustiça, convém observar que Lester Brown foi o entrevistado nas páginas amarelas de Veja em uma de suas edições no mês de maio de 2001 [ver aqui]. Ele foi apropriadamente questionado, e no final observou que, diante do agravamento da questão ambiental, ‘a única instituição capaz de disseminar informações na escala necessária e no tempo disponível são jornais e revistas como a Veja. A mídia é essencial nesse caso. Não foram os editores e repórteres que pediram essa responsabilidade, mas não há alternativa’.
Tratamento isolado
Mas, passados seis anos, ainda não se vê essa responsabilidade sendo assumida pela imprensa. A lógica dos negócios – como essa retratada nas práticas das companhias pesqueiras – segue na contramão das recomendações apresentadas pelo Instituto Worldwatch. O noticiário, em geral, nunca questiona essa lógica que não faz mais sentido há muitos anos. O ‘estado do mundo’ recomenda políticas públicas, normas comerciais e práticas de produção e negócios que tenham como objetivo final a sustentabilidade. Mas a imprensa, de maneira quase absoluta, segue refém de uma visão de mundo – que se convencionou chamar ‘liberal’ – baseada na celebração do triunfo individual sobre os interesses coletivos.
Ressalte-se que os mais recentes relatórios sobre o estado do mundo, além de outros estudos, como o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e os indicadores de desenvolvimento humano, apontam para a necessidade do atendimento de necessidades coletivas em primeiro lugar, em harmonia com a proteção do ambiente, visto que os recursos naturais se esgotam rapidamente e as pressões pela inclusão de bilhões de cidadãos no sistema econômico tendem a agravar a situação.
A lógica ‘liberal’ atenta contra os interesses da humanidade, ao apoiar a busca de interesses de uma minoria que contribui para abreviar as possibilidades de permanência da sociedade humana. Mas a imprensa se mantém impassível. Quando um ou outro jornalista conquista um espaço para o desafio ambiental ou social num jornal, revista ou emissora de televisão, o tema é tratado isoladamente, sem que se permita questionar a submissão da mídia aos interesses do chamado ‘mercado’.
O que está em jogo
Quando se sentam ao balcão do sushi bar, o executivo e o editor não têm idéia de que podem estar degustando uma iguaria em extinção, por culpa ou omissão deles mesmos.
Ao tomarem decisões de negócio, os executivos e empresários raramente se dão conta das conseqüências de suas escolhas para seu próprio futuro ou para o bem-estar de seus descendentes.
Ao optar por um jornalismo que insiste em ignorar os novos paradigmas que se impõem à economia, aos negócios e à política, da mesma forma os jornalistas parecem cegos à relação de causa e efeito que existe entre escolhas de edição e o estado do mundo.
O que está em jogo é muito mais do que o direito ao sushi.
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Jornalista