A popularidade do governo Lula – aprovado por 45% dos entrevistados pelo Datafolha entre os dias 14 e 17 de dezembro – deve acelerar e tornar mais visível um movimento político ainda não detectado (ou mal avaliado) pela imprensa brasileira, cujas conseqüências podem alterar completamente o equilíbrio das forças partidárias que se preparam para a disputa pelos governos estaduais e pela Presidência da República em 2006: uma até agora inimaginável aliança entre o PT e o PSDB tem alguma possibilidade de entrar na pauta das editorias de política ao espocar do champanha neste réveillon.
A pesquisa publicada pela Folha de S.Paulo no domingo (26/12) – devidamente ‘repercutida’, como se diz no jargão, pela concorrência – registra que a avaliação positiva do atual governo subiu dez pontos porcentuais nos últimos quatro meses, o que confirma as observações que vêm sendo feitas por encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI) no mesmo período.
Alguns detalhes da última consulta indicam que a aprovação do governo se consolida nas faixas historicamente mais críticas em relação ao Partido dos Trabalhadores, formadas pela população de renda mais alta e formadora de opinião. Esse retrato, somado aos sucessos da economia e à recente aprovação, pelo Congresso, de propostas tidas como fundamentais para a estratégia do governo, como a regulamentação das parcerias público-privada (PPP), reforça a posição dos grupos que, no governo e no poleiro dos tucanos, tentam formar uma frente de centro-esquerda para 2006.
As duas pedras no caminho localizam-se em Minas Gerais, onde o vôo do governador Aécio Neves – tido há um ano como aposta certa para o Planalto – perde altitude pela ascensão do prefeito reeleito de Belo Horizonte, o petista Fernando Pimentel, e em São Paulo, onde se concentram dois dos maiores cacifes do PSDB, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito eleito José Serra.
Desconforto da mídia
Não é pouco, em termos de oposição. No entanto, desde 1992 forças ponderáveis nos dois partidos acalentam o sonho de uma aliança que se revelou impossível ao longo dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, mas que pode se tornar viável nas atuais circunstâncias políticas e econômicas.
A complexidade do quadro político merece analistas mais habilitados do que este observador. No que concerne a este Observatório, convém botar o olho em colunas, artigos e editoriais, a ver se brotam sinais de fontes privilegiadas.
Mas, a rigor, pouco se pode esperar das editorias de política, há muito desprovidas das melhores condições para a apuração das tramas e negociações que se processam à distância dos microfones.
Não faz pouco tempo que a maioria das colunas especializadas é forrada de notas bem azeitadas por habilidosos assessores de imprensa e que as redações, enxutas até o esqueleto, perderam muito da capacidade de perscrutar os bastidores da cena política.
O noticiário sobre as últimas pesquisas ficou devendo um pouco mais de análise sobre o pensamento dessa parte da opinião pública que mais interessa à imprensa – aquela faixa da classe média para cima, a partir da qual a sociedade se estica eventualmente para o futuro ou se encolhe para o conservadorismo, no movimento clássico e quase biológico das políticas.
A rigor, se confirmada a ocorrência de uma aproximação entre o presidente Lula, com o núcleo duro de seu governo, e o partido que tem por símbolo o Ramphastos vitellinus, estará criado o cenário para um enredo digno de ser apreciado.
Se, por um lado, temos observado claramente o desconforto de certas cabeças coroadas da mídia em se verem tangidas – por coerência de discurso – a elogiar a orientação estratégica do atual governo, por outra face também é visível ao observador atento que o desconforto da mídia com os êxitos de Lula se assenta em velhas premissas das elites brasileiras (tão galhardamente representadas pela elite da imprensa) contra as chances de sucesso de um presidente da República nascido e criado à revelia de todas as possibilidades, conduzido ao Planalto num partido que muitos acreditam socialista.
Sonho disfarçado
Não poucos editoriais têm saudado a aparente determinação do presidente da República de realizar seu projeto com ou sem o apoio das frações mais ruidosas de seu partido. Na mesma medida, todos os grandes jornais investem o que podem na experimentação das outras alternativas oferecidas pela oposição.
As apostas mais evidentes têm beneficiado o governador Aécio Neves, que em recente operação para anunciar o ‘déficit zero’ de sua administração em Minas, ganhou espaço nobre e publicação sem filtro de press releases em praticamente toda a mídia nacional, e o seu colega paulista Geraldo Alckmin, que também conta com evidente esforço de vontade por parte da imprensa em sua escalada rumo a ambições mais elevadas.
Uma aproximação entre o presidente Lula e o PSDB, possível na medida em que um maior número de caciques regionais da oposição considere que o jogo está irremediavelmente perdido para 2006, resolveria de imediato um dos dilemas mais claros das editorias de política, que mal disfarçam certa esquizofrenia: louva-se a obra, lamenta-se o empreiteiro.
Um Lula de braço dado com o tucanato, ou parte dele, e distante das frações petistas ainda chamadas de radicais, é um tema que ronda a cabeça de destacados editorialistas, que mal conseguem disfarçar o sonho de um presidente popular sob tutela de uma agremiação mais palatável para o gosto da mídia.
Se a imprensa nos desse, em suas páginas de reportagem, um pouco da informação que usa para orientar seus editoriais, estaríamos mais bem servidos.
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Jornalista