Uma semana depois de ser surpreendida pela queda da taxa básica de juros, a imprensa brasileira coleciona um relicário de análises nas quais se evidencia que o noticiário econômico também foi contaminado pelo viés político ou, no mínimo, anda fragilizado por excessivas influências emocionais.
Na quinta-feira da semana passada, dia 1º, a reação dos chamados jornais de circulação nacional dava como certo que os dias de autonomia do Banco Central haviam acabado e que a “mão pesada” do governo havia imposto a decisão da queda dos juros.
O ex-ministro e consultor Mailson da Nóbrega, figura onipresente na mídia, pontificou em praticamente todos os jornais e em todos os meios para decretar que “a decisão foi imprudente, temerária, sem correspondência com a realidade, e deve refletir uma pressão política da presidência, do ministro da Fazenda. O Banco Central, submisso, não soube resistir”, decretou.
O mínimo que se disse foi que o presidente do BC, AlexandreTombini, não tinha porte para o cargo.
Opinião contrariada
Os diários especializados de maior destaque, Valor Econômico e Brasil Econômico, reagiram de maneiras diversas à decisão que não apenas surpreendeu os especialistas, mas sobretudo contrariou a maioria das opiniões avalizadas pela mídia sobre o que deve fazer o governo para contornar os riscos da crise nos países desenvolvidos.
O Valor decidiu absorver aos poucos o impacto da notícia, repassando aos seus leitores uma variedade de interpretações, não arriscando uma aposta elevada na condenação da decisão do BC.
O Brasil Econômico fez um esforço de reportagem para tentar revelar as razões pelas quais o Banco Central havia decicido baixar os juros.
Os jornais genéricos, que apostam mais na política do que na economia, foram os mais agressivos. Folha, Estadão e Globo não apenas deram voz às opiniões mais contundentes como referendaram o veredito segundo o qual o Banco Central havia cedido sua autonomia ao comando econômico do governo.
Passada uma semana, a imprensa passou a dar espaço a opiniões divergentes, admitindo que, afinal, o Banco Central agiu de maneira independente e que, no fim das contas, a decisão não era assim tão estapafúrdia.
Mas o que explica o surto que tirou a imprensa brasileira deseu prumo na semana passada?
“Irresponsável, injusta e arrogante”
Na sexta-feira, dia 2, quando os jornais especializados colhiam outras reações do mercado – registre-se, por exemplo, que o Brasil Econômico foi ouvir os empresários da indústria, que comemoravam a queda dos juros –, os jornais genéricos esqueciam o assunto ou ainda pipocavam artigos retardatários insistindo na tecla da quebra de autonomia do Banco Central.
No rádio e na televisão, desenhava-se a imagem da presidente Dilma Rousseff como a de um “trator” a passar por cima de qualquer dissidência.
Enquanto isso, o britânico Financial Times publicava um artigo – reproduzido pelo Valor Econômico – no qual se afirma que a ação do BC brasileiro provocava admiração, medo e inveja nos dirigentes de outros Bancos Centrais por todo o mundo.
O texto elogia a ousadia das autoridades monetárias do Brasil, teme pela autonomia das autoridades de bancos centrais em suas disputas com autoridades políticas e agências reguladoras, e mostra admiração pela batalha do Brasil contra a tradição da inflação elevada. “As autoridades de outros bancos centrais estão perdoadas por invejar a liberdade da autoridade brasileira”, conclui o texto.
Na lista dos artigos mais assertivos que se contrapõem ao viés imposto pelos jornais, destaque para a manifestação do ex-ministro Antonio Delfim Netto, na qual afirma que a acusação de subserviência do Banco Central foi “irresponsável, injusta e arrogante”.
O decano dos economistas brasileiros criticou ferinamente seus colegas que se haviam indignado com a decisão sobre os juros, dizendo que eles só reconhecem a independência do Banco Central quando este decide de acordo “com os conselhos que eles, paciente, gratuita e patrioticamente, lhe dão todos os dias, através da mídia escrita, radiofônica e televisiva”.
Delfim destacou ainda que considerou injustas as críticas que encheram as páginas dos jornais porque, na sua opinião, “pela primeira vez, em quase duas décadas, o Banco Central mostrou que é, efetivamente, um órgão de Estado com menor influência do setor financeiro privado”.
Este é, exatamente, o ponto central da polêmica: afinal, a serviço de quem estão os articulistas, comentaristas, analistas, colunistas e demais proprietários de fatias da mídia que, em coro, trataram de desmoralizar o Banco Central?
Que interesses representam, e por que motivo contam com tanto espaço nos jornais?
Além do evidente complexo de vira-latas, não há como ignorar que o insistente viés político que contamina o noticiário econômico pode estar a serviço de algum interesse nebuloso.