O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse na sexta-feira (3/6), em reunião do PT, que o principal partido de oposição no país é “a grande imprensa”. A manifestação foi feita no contexto das revelações sobre a súbita riqueza do ministro chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Quem dera fosse verdade. A imprensa, no caso, esteve mais para leniente do que para contundente, excetuada a Folha de S. Paulo, que trouxe à luz a façanha (ver, neste Observatório, “O protegido dos deuses“).
Proferida em registro acusatório, vinda de Padilha, agora, a avaliação poderia até ser recebida pela imprensa como reconhecimento de que exerce papel legítimo e louvável no processo democrático brasileiro. Infelizmente, não é verdade.
Quando a oposição falha
Como já se disse tantas vezes, neste Observatório não menos do que em outras instâncias de reflexão e debate, sem oposição não há democracia. Axioma que o poder nunca aceita sem algum incômodo. Às vezes, nem aceita.
Se a oposição parlamentar, sindical, de movimentos sociais se mostra incapaz de enxergar aquilo que, numa percepção mais de Estado do que de governo, são os interesses do povo, ou se se deixa iludir ou intimidar pela propaganda governista, à imprensa acaba sendo atribuído, no teatro da política, o papel de criticar o governo. Seja ele federal, estadual ou municipal.
Essa situação não é ideal. Ao contrário: é perigosa. E não é nova (leia-se, neste OI, “Mídia não é sucedâneo de oposição“). Pior, porém, é não haver nenhuma oposição.
Manda quem pode?
A chamada grande imprensa brasileira não só foi extremamente simpática ao governo da presidente Dilma Rousseff, nos seus primeiros cinco meses, como ampliou complacentemente o raio dessa simpatia.
Em 24 de maio, dia em que o governo foi derrotado na votação do novo Código Florestal, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP), proferiu uma intimidação ao Congresso que provavelmente tem raros precedentes, nenhum deles abonador:
“(….) E trago aqui a mensagem da presidente. Primeiro, ela considera que essa Emenda 164 é uma vergonha para o Brasil.
(….)
“O governo é claro: dizemos ‘não’! (….) Nós vivemos em um regime presidencialista. Quem define a posição do governo é o presidente da República. É o resultado das eleições. Quem escolheu Dilma presidente não foi a minoria, não foi o DEM, não foi o PSDB, foi o povo brasileiro, com o apoio do PMDB, do PT, dos deputados do PTB e dos demais partidos.
“Esta Casa não está sob ameaça quando o governo tem uma vitória. Nem no regime parlamentarista a Casa fica sob ameaça quando o governo tem uma vitória. A Casa fica sob ameaça, no regime parlamentarista ou no regime presidencialista, quando o governo é derrotado. Aí é que a Casa fica sob ameaça.”
No Valor (26/5), o cientista político Fabiano Santos rebateu a tese de que a vontade do presidente é soberana no presidencialismo de coalizão. Santos disse que o governo “é formado por um conjunto que inclui a presidente, o ministério e os partidos”. Forma amena de analisar o que não passou de baixaria.
O registro do espasmo de autoritarismo foi feito no Estadão (29/5) no contexto dos atritos dentro da base do governo na Câmara (“Um trator em rota de colisão”). Crônica de conflitos políticos.
Não apareceu na imprensa uma análise do risco institucional representado pela violência verbal de Vaccarezza.
Cobranças brandas
Ao mesmo tempo, não faltam exemplos de timidez ou omissão da imprensa diante da falta de resposta do governo a situações dramáticas em que sua iniciativa é indispensável. A longa e frustrante espera de mínimas providências práticas vivida até hoje pelos sobreviventes dos temporais de janeiro na Serra fluminense. A perplexidade do Planalto em face das revoltas operárias em Jirau e outras grandes obras do PAC. A incapacidade dos governos federal e estadual para atalhar a sequência de assassinatos no Pará.
A grande imprensa está longe de funcionar como partido de oposição. Meios de comunicação e jornalistas que não se dobram à lógica ou à pressão do governo e de outros poderes são mais exceção do que regra.
Quem foi para o combate
Para não ir longe, sob a mais recente ditadura uns poucos jornais e revistas – grandes, nanicos ou alternativos – resistiram ao autoritarismo: Última Hora, Correio da Manhã e Revista Civilização Brasileira, até o AI-5, Folha da Semana (fechada em 1966), Opinião, Movimento, Argumento, O Pasquim, Versus, Coojornal, O Repórter, entre outros.
O que não impediu que numerosos jornalistas fizessem o que podiam para denunciar o statu quo. Nem tira o mérito das reações à censura na grande imprensa. Mas só depois da derrota do governo nas eleições de 1974 ela começou, lenta e desigualmente, a manobrar o barco para se colocar a favor do novo rumo dos ventos. A TV Globo, ainda em janeiro de 1984, tratou o grande comício das diretas na Praça da Sé como festa de aniversário da cidade de São Paulo.
De Sarney a Dilma, sempre boas-vindas
A grande imprensa é por índole governista. Sarney contou com boa dose de compreensão até se obstinar pela prorrogação do mandato. O histrionismo de Fernando Collor fez a alegria de muito editor enquanto as operações de PC Farias não foram denunciadas por Pedro Collor à revista Veja. Itamar não teve problema antes do carnaval em que apareceu num camarote com uma moça sem calcinha. Fernando Henrique turvou a boa imagem com os métodos usados para obter o direito à reeleição. Lula foi saudado como herói operário, protetor dos pobres, até o mensalão. E sobreviveu a Marcos Valério, Dirceu e compagnia bella. A torcida por Dilma engasgou com um objeto estranho chamado consultoria. Se ele for deglutido, o horizonte se desanuviará.
Caso o ministro Padilha queira saber o que é de fato a grande imprensa como partido de oposição, sugere-se uma leitura dos grandes jornais do Rio e de São Paulo às vésperas do golpe que derrubou João Goulart em 1964.