Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A inteligência no poder e o poder da inteligência

Início efetivo do século 21, inauguração de uma nova era ou somente o começo de um mandato presidencial, o 44º da República norte-americana. Qualquer que seja a importância que se atribua à eleição de Barack Hussein Obama, não pode ser esquecido um dado fundamental: a revolução está em curso desde a noite de 4 de novembro de 2008.


E esta revolução diferencia-se do simples messianismo porque inclui a impecável transição de 82 dias. A posse da terça-feira (20/1) é uma solenidade legal, a festa em Washington é o suspiro de alívio de uma nação constrangida pela crueza da realidade e que, afinal, reencontra a sua capacidade de sonhar.


Porém, parte dos milagres já aconteceu: a escolha tranqüila de um negro para ocupar a Casa Branca foi conseqüência direta de duas opções límpidas, indubitáveis: a postulação do candidato democrata foi apresentada como fator de união, claramente pós-racial e pós-ideológica.


A secessão que estava em curso – comandada pelo triunvirato Bush-Cheney-Rumsfeld – não era territorial, não dividia fisicamente a União, mas quebrava-a moral e espiritualmente. Obama e sua equipe rejuntaram-na. Aparentemente, sem traumas: não há adversários nem adversidades. Estão todos no mesmo barco.


Dificuldades orgânicas


Obama construiu uma maioria natural, a mídia percebeu e foi atrás. Obama foi smart – adjetivo abrangente que pode significar inteligente, esperto, sagaz, malicioso e até mesmo elegante (no sentido mais amplo). E a mídia também foi smart, impossível resistir aos apelos da razão, do bom senso, do bom gosto. Alinharam-se com o candidato republicano apenas os velhos cowboys da extrema-direita. Mesmo John McCain entregou-se prazerosamente no final à sofisticação do concorrente.


Inteligência vende mais do que a grosseria monossilábica. Uma retórica superior abre espaço para um jornalismo superior. Cria demandas qualificadas, estabelece padrões e exigências qualificadas.


Quando Hillary Clinton, na semana passada, repetiu quatro vezes no Senado o conceito de smart power, poder inteligente, sugeria uma estratégia para a política externa americana e, concomitantemente, oferecia um produto mais qualificado no mercado de idéias.


O que nos remete ao noticiário sobre a situação financeira do New York Times e a possibilidade de ter parte das suas ações compradas pelo bilionário mexicano Carlos Slim. A ponta visível da crise no jornalão americano é a queda no faturamento publicitário decorrente da queda da circulação. Segundo os analistas, a internet estaria absorvendo este faturamento atraindo segmentos cada vez maiores de leitores.


Indiscutível, os números estão aí. A questão crucial é saber qual a causa da maciça e de certo modo repentina migração da audiência dos jornais impressos para a internet. A rede teria conseguido vencer instantaneamente, num passe de mágica, suas dificuldades orgânicas, inerentes? Ou foram os meios impressos que capitularam e resolveram mimetizar os vencedores oferecendo um produto simplificado, nivelado por baixo, evidentemente menos sofisticado do que oferecia há cinco anos?


Cultura e subcultura


Pode-se avaliar a decrescente qualidade do NYTimes por meio da súmula que vende às segundas-feiras a uma cadeia de jornais do mundo inteiro (no Brasil, a Folha de S.Paulo). Aquilo (ou a quilo) é o melhor que o jornal produz ou é o rescaldo do material médio, de segunda linha? Será que o ‘jornalismo de resultados’, o produto da indústria jornalística, é capaz de produzir smart news? Essa é a questão. E ela vale tanto para a Rua 43 em Manhattan como para a Alameda Barão de Limeira, em São Paulo.


Obama significa a inteligência no poder e o poder inteligente. Tudo indica que esta soma de inteligências não ficará confinada, a tendência é irradiar-se em todas as direções.


O que falta no panorama jornalístico mundial é um número suficiente de profissionais inteligentes capazes de perceber que os problemas de caixa são problemas de caixa, oriundos da má gestão financeira. Não é um problema sistêmico. A perda de circulação e publicidade está na esfera do conteúdo e tem muito a ver com uma desqualificação auto-imposta, uma imolação da cultura à subcultura. Aposta na burrice.