Chamo atenção para os que não o notaram: no post sobre a tragédia criada por Israel em Gaza, acrescentei um remendo para dar crédito (omitido na versão original) a uma história e à foto que a ilustrava. Em comentário, um leitor cobrou a informação e respondi. Não fiz a mesma coisa em relação a outra foto excelente (espero fazer ainda, com a ajuda de alguém), limitando-me a explicar como a recebi.
A veiculação na internet de fotos e ilustrações em geral (para não falar na reprodução dos próprios textos, informações e opiniões) tornou-se rotina e traz um complicador. Envolve questões de autoria e copyright insuficientemente definidos. Na prática parece prevalecer o consenso de que portais e sites comerciais, que faturam com anúncios, têm de remunerar tal uso; os outros apenas divulgam e promovem.
A característica principal da nova mídia é que a maioria esmagadora dos dedicados a ela não tem sequer fonte mínima de recursos para garantir a sobrevivência do esforço, muito menos para obter algum lucro (o Daily Kos e o Drudge Report, exceções à esquerda e à direita, são exceções que celebrizaram Markos Moulitsas e Matt Drudge). Isso cria uma área cinzenta que tende a ser alvo de regulamentação. Hoje já existem acordos especiais na mídia corporativa, com pacotes que incluem os diferentes veículos – o que é apenas um ponto de partida.
De certa forma, estou dos dois lados. Antes da experiência na internet já via textos meus reproduzidos na íntegra. Cheguei a ler páginas de um de meus livros transcritas – sem qualquer crédito ou até atribuídas a outro. Quem o faz deve levar em conta o custo e a dificuldade de ações judiciais nessa área, já que até algumas editoras maiores deixam de prestar contas, sonegando o pagamento aos autores.
Os critérios errados e seus efeitos
Com a drástica redução de empregos no campo da mídia, mesmo profissionais de alto nível são frequentemente prejudicados pelo critério em vigor de usar estagiários e nivelar salários por baixo. Ficam os que aceitam fazer mais (trabalho), em troca de menos (remuneração). Claro que há exceções para as estrelas, mas elas não são numerosas. Resta aos profissionais a opção de virar free lancer.
Eles mudam o status voluntariamente ou por decisão de empresas determinadas a não assumir os encargos trabalhistas. Tudo isso, bem ou mal, afeta o trabalho de quem decide aderir à internet, ainda que em caráter experimental, como uma espécie de teste. Os blogs são o melhor exemplo disso, já que permitem a qualquer pessoa tentar trabalho fascinante e criativo, defender uma causa ou montar um negócio.
Entre os problemas estão as regras fluidas. Às vezes elas surgem no próprio desdobramento da atividade. Se uma grande empresa de mídia acolhe você no portal dela, é diferente. Você passa a relacionar-se com ela de forma não muito distante das relações entre empresa e empregado contratado (ou free lancer). Muitas vezes há um contrato.
Aliás, tornou-se frequente agora o trabalho com a empresa incluir, mesmo em caráter informal ou não explícito, também um blog no portal do veículo. Com isso o profissional fatura a imagem de blog independente (status cobiçado mais pela experiência insólita dos que se tornaram celebridades em vários países), apesar de ter plena consciência de estar sujeito, até na própria opinião, a autoridade superior.
A variante disso é algo como o blog de Ricardo Noblat. Teve sucesso ao nascer independente, depois de Noblat deixar o Correio Braziliense (dos Diários Associados) e ser cooptado pelo portal do Estadão e, depois, por O Globo. Hoje o vínculo explícito (coluna no jornal e tudo) nega a independência – como escancararam sua adesão à campanha anti-Lula em 2006 e a análise de Gilson Caroni Filho no caso ‘Gilmar Mendes’ [ver, neste Observatório, ‘O lapso do blogueiro‘].
Os ombudsmans e a transparência
Comecei com uma questão prática dos blogs (crédito, uso de trabalhos alheios) e saí da rota com dois ou três atalhos e digressões. É que o surpreendente aumento das visitas a este blog me obriga a dar explicações aos que o distinguem. Considero-me, de certa forma, pioneiro na defesa de uma mídia mais transparente – desde que entrevistei um Ombudsman na redação do Washington Post.
Foi em 1978. A entrevista saiu no ano seguinte em número especial do jornal do Sindicato dos Jornalistas do Rio, do qual eu então era vice-presidente. Num texto paralelo, defendi o exercício da autocrítica pela mídia e a criação de ombudsmans nas redações – o que se tornaria realidade em muitas redações. Mas de lá para cá, deixei de alimentar ilusões sobre transparência na mídia corporativa.
Enquanto tinha ilusões, escrevia cartas à redação – como ainda faz Roldão Simas. Escrevi ao Jornal do Brasil, onde tinha trabalhado duas vezes, Veja, Folha de S.Paulo, O Globo, onde trabalhei em três ocasiões diferentes. Eram jornais que lia (nem sempre por prazer). O JB da melhor fase publicava todas. Já decadente, passou a censurá-las. A Folha, pilhada num escorregão, vetou uma. Não escrevi mais.
O Globo
foi caso à parte. Só publicava cartas com elogios. Quando o diretor Roberto Marinho fazia aniversário, enchia páginas com cartas laudatórias. Com Evandro Carlos de Andrade à frente, a redação melhorou, mas o jornal continuou avesso a crítica – ou autocrítica. E quando o Ombudsman da Folha ousava alguma crítica, a fúria de O Globo era infalível, manifestada até na coluna social.Sem dr. Roberto e Evandro, o império passou aos irmãos Marinho. Há uns três anos um amigo jurou que o jornal mudara, já fazia correções e autocrítica. Acreditei. Fiz uma carta citando erro que me pareceu grave. Não saiu. Mais tarde, outra sobre tema diferente também foi vetada. Meu amigo entendera mal. Referia-se a coluna que, na página 2, corrigia irrelevância (‘faltou vírgula aqui, acento ali’), substância não.
Quando há muito a esconder
Para mim, é um o equívoco brutal de O Globo, mas há razão forte. O império dos Marinho nunca reconhecerá que se fez à sombra da ditadura, aplaudindo seus crimes – como El Mercurio no Chile, cujo Roberto Marinho era Agustín Edwards, que se reuniu pessoalmente com o diretor da CIA e recebeu dinheiro (cash) para escapar da falência. Edwards apoiou o golpe contra Allende, virou porta-voz da ditadura e hoje a família Edwards é dona de um império – jornal, rádio, TV, etc. Soa familiar?
Nesses dois jornais, claro, jamais haverá transparência, o que exigiria mea culpa e reconhecimento de erros passados. No caso dos Marinho, apoio à ditadura e à tortura, boicote das Diretas-Já, fraude contra Brizola (ProConsult), falsificação do debate Collor-Lula, etc. Basta observar o cuidado com que O Globo omitiu o próprio papel nas recentes reportagens a propósito do aniversário do AI-5.
Observe-se ainda a conduta recente do império dos Marinho ao transformar em campanha torpe o noticiário e a seleção de cartas sobre a anistia de Jaguar e Ziraldo, do Pasquim, cujo papel na ditadura fora oposto ao de O Globo. A ponto de ser cinicamente sonegada aos leitores a carta contundente do jornalista Arthur Poerner, que resistira no Correio da Manhã, outro jornal destruído pela ditadura [ver, neste OI, ‘A resistência não tem preço‘].
O fenômeno dos blogs ultrajantemente independentes é um desafio ao jornalismo do império Globo. A transparência chega com tal força ao centro do palco da nova mídia que já se estende a portais gigantes – não aqui, mas em Nova York, Washington, Londres. New York Times, Washington Post e outros grandes mudam o rumo para sobreviver. Os emails ali já são bem mais duros do que a carta de Poerner – ou as minhas.
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Jornalista