Primeiro foi o megainvestidor Warren Buffett quem surpreendeu a opinião pública, na semana passada, ao reclamar que os governos tratam os bilionários com muita generosidade, quando deveriam exigir deles uma contrapartida maior no esforço coletivo para superar a crise financeira (ver, neste Observatório, “O mea-culpa de Warren Buffett”).
Os jornais publicaram sua manifestação mais como curiosidade do que como um assunto para valer. Desde sempre, a imprensa jamais levou a sério qualquer proposta de taxação especial sobre fortunas.
Mesmo com os dados apresentados por Buffett mostrando que o aumento de impostos sobre o capital acaba estimulando investimentos mais produtivos por causa da redução do incentivo à mera especulação, os jornais não produziram artigos que avançassem nessa discussão.
Os anéis e os dedos
Agora, as edições dos jornais de quarta-feira (24/8) trazem a informação de que um grupo de bilionários franceses assinou um documento no qual defendem a criação de uma contribuição extra dos mais ricos para ajudar o país a superar suas atuais dificuldades e estimular a economia.
O movimento começou com um artigo do empresário Maurice Lévy, presidente do grupo Publicis, multinacional francesa de publicidade e comunicação, publicado em 16/8 no jornal Le Monde. Lévy defendia a criação de um mecanismo pelo qual os franceses mais ricos poderiam contribuir com parte de suas fortunas para suprir a deficiência de caixa do governo e aquecer o mercado.
Menos de uma semana depois, o diretor da revista Le Nouvel Observatteur publicou artigo informando que 16 donos de grandes fortunas haviam aderido a uma espécie de abaixo-assinado pedindo impostos sobre os mais ricos. A contribuição seria em caráter excepcional e em proporções negociadas.
A iniciativa lembra os casos em que famílias de milionários se dispuseram a financiar os esforços de guerra de países europeus. Trata-se agora de uma guerra contra a crise financeira, que vem provocando manifestações de revolta por toda a Europa.
Como se diz popularmente, melhor que se vão os anéis, ou alguns deles, mas fiquem os dedos.
Uma resposta para os “indignados”
Alguns jornalistas já chamam a proposta de “vaquinha contra a crise”, remetendo a idéia para o terreno da anedota. Afinal, a criação de impostos sobre fortunas, que chegou a ser discutida durante a Constituinte de 1988, jamais foi levada a sério por aqui. O principal argumento contra a idéia é a dificuldade de se estabelecer o que seria a posse exagerada de patrimônio financeiro. Ninguém acha que é rico o suficiente.
Além disso, reina a convicção de que a imposição de tributos diretos sobre a posse de fortunas levaria os milionários a simplesmente transferir seu dinheiro – ou as quantidades consideradas excedentes – para outros lugares onde recebessem tratamento mais liberal.
Isso aconteceu em meados da década passada, na própria França, quando a tributação das grandes fortunas provocou uma fuga de capitais para a Bélgica, a Inglaterra e outros países. Também aconteceu em Portugal, após a Revolução dos Cravos. No entanto, os defensores da medida alegam que, com a atual crise atingindo todos os países desenvolvidos, não haveria muitos destinos para onde escapar do Fisco.
O Brasil, que nos últimos doze meses arrecadou US$ 72,2 bilhões, ou 3,17% do PIB, em investimentos estrangeiros diretos, conforme lembra o Estado de S.Paulo, seria um dos beneficiários dessa revoada.
A questão seria, então, como regular a cobrança desse tributo de forma organizada e assegurar que não haja um aumento da volatilidade nos mercados, com o dinheiro literalmente voando de um país a outro.
O assunto precisa sair do terreno das anedotas, onde a imprensa o colocou provisoriamente, porque as manifestações de protestos nas ruas de cidades européias demonstram que a sociedade não aceita mais os remédios tradicionais contra a crise.
A classe média e os rendimentos do trabalho, alvos mais fáceis de atacar do que as grandes fortunas, não podem continuar sendo os principais financiadores de uma crise que foi criada pelo liberalismo extremado, ou seja, pela concessão de plena liberdade ao capital financeiro.
As marchas dos “indignados” refluíram temporariamente nas capitais européias, mas nada indica que vão parar.
A oferta de Warren Buffet e dos milionários franceses deveria ser levada a sério e discutida com mais propriedade pela imprensa.