Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A mediocridade como modelo editorial

Sou leitor assíduo de jornais faz quatro anos. Sempre ouço que antigamente os noticiosos eram diferentes. Além do mais, muitas pessoas lamentam o fato de, atualmente, os periódicos terem competência inferior. Pelo que percebi e pesquisei, as críticas contêm veracidade. O que me incomoda mais, porém, é a baixíssima qualidade dos cadernos culturais. Algumas pessoas dizem ter se formado leitoras, espectadoras críticas de teatro e consumidoras vorazes de filmes de arte, após uma imersão em suplementos culturais. Isso não parece mais ser possível hoje em dia.

Alguns jornais internacionais com folhetos sobre cultura possuem maior profundidade. O português
Público
e o francês
Le Monde
são apenas alguns exemplos. Já por aqui, a apuração desses cadernos é tacanha. Um exemplo que ratifica isso: a notícia mais lida da semana (14/11 a 21/11) na parte de cultura de
O Globo
dizia respeito a uma repórter da GloboNews que tinha o rosto “onipresente na cobertura de Paris”. Qual a importância disso?

Não se tem a preocupação de formar cidadãos que irão consumir e alimentar o mercado cultural? Isso não parece ser a prioridade das publicações que lidam com as artes. Se houvesse seriedade, elas provavelmente conseguiriam aumentar o consumo de bens culturais no Brasil.

Ainda em
O Globo
, mas agora no famigerado Segundo Caderno, existe um articulista que, todos os domingos, usa sua coluna para falar mal do governo. É necessário, sim, fazer críticas. No entanto, precisa ser no caderno de cultura? A semana inteira os jornais falam mal do governo em várias páginas. Por que ocupar os suplementos culturais com esse tipo de conteúdo?

Destaque para mediocridade

No mesmo caminho anda o resto dos ditos jornalões. A
Folha de S.Paulo
, com a sua Ilustrada, traz coisas ótimas, mas comete muitos equívocos. Em sua edição de domingo (15/11), reportagens sobre Amaury Jr. e
Os Dez Mandamentos
ocupavam páginas inteiras. Qual é a utilidade dessas informações? Já não temos programas frívolos demais na televisão aberta que dão cobertura a esse tipo de fato? E outra, a
Folha
já tem o Outro Canal para assuntos televisivos.

Caso análogo é
O Estado de S.Paulo
, que, em três dias (17/11 – 19/11), veiculou sete reportagens que citavam ou tinham a ver com a franquia
Jogos Vorazes
. Será mesmo que um
blockbuster
dessa magnitude precisa de tanta publicidade?

Em um país nutrido de má informação e baixa qualidade educacional, para que – eu lhes pergunto – dar tanto destaque para notícias assim, como
Estadão
,
Folha
e
O Globo
fazem? E não só eles, a maioria da mídia impressa brasileira, infelizmente, age assim.

Adolescentes não leem

A título de exemplo, pesquisas sobre a leitura saem periodicamente no Brasil e a mídia lamenta. Em seguida, os colunistas reclamam. Com razão. Entretanto, o que eles fazem para modificar um tantinho essa realidade? Não há cobertura ampla a resenhas de livros interessantes na imprensa. Há algum tempo a Fecomércio publicou uma pesquisa em que dizia que 70% dos brasileiros não leram livros em 2014. Eu li 96 livros. Queria ter lido mais, queria ter tido uma curadoria de pessoas mais maduras e especializadas que publicassem resenhas nos jornais. Assim eu não “perderia tempo” com obras não tão legais. Não tive acesso a esse tipo de resenha.

Quando existe uma “curadoria”, é sempre direcionada aos mesmos autores. É sempre a turminha da Companhia das Letras, Editora 34, Cosac Naify e derivados. Continuamente dão destaque a escritores que já possuem prestígio. Sim, adoro o Mia Couto. Sim, li o novo livro do Chico Buarque. Sim, admiro muito essas editoras e autores. Contudo, por que não dar destaque e fazer reportagens sobre novos literatos? Por que não indicar leituras necessárias? Qual seria a reação de Mário de Andrade se visse o que fazem com a insígnia de “crítico literário” na contemporaneidade?

Ademais, existem inúmeros expoentes da cultura brasileira que são pouco conhecidos e pouco revisitados. Os adolescentes da minha idade nunca ouviram falar de vários. Tirando alguns jovens de grandes centros, a maior parte não conhece brasileiros notáveis como Hélio Oiticica, Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Lygia Pape, Amilcar de Castro, Eduardo Coutinho, Lygia Clark, Emiliano Di Cavalcanti, Lúcio Costa, Alfredo Volpi. Praticamente ninguém do meu ensino médio (público), terminado ano passado, ouviu falar dessas pessoas. Nenhum estudante nos dois pré-vestibulares (particulares) que frequentei, naquele ano e neste, sabe quem foram essas pessoas. Isso contabiliza muita gente só na minha cidade e que frequentaram a escola. E no resto do país?

Como assim a maioria da minha geração não tem ouvido falar de Jorge Ben Jor? De Elis Regina? Da bossa nova? O que vai acontecer daqui a uns anos? As escolas de elite vão formar bem alguns estudantes de alguma cidade grande, mas e o resto? O que vai acontecer quando atuais jornalistas, acadêmicos e intelectuais – como diria Machado de Assis – forem estudar a geologia dos campos santos?

E agora, José?

A Constituição Federal assegura o direito à cultura. Infelizmente, a realidade é árida. No Brasil, a cultura ainda é tratada como privilégio. Pior, é centralizada na mente e nos livros de poucos. Então, por que um caderno de cultura continua a respirar em um país em que a cultura é, via de regra, altamente elitizada, sem informar, educar, transmitir conhecimento e informações úteis para o público? Por que cadernos culturais não falam da antiga e atual culturas brasileiras? Ou quando falam, falam com uma superficialidade pífia?

Obviamente todo esse desprezo pela cultura não é culpa da imprensa. Entretanto, por que não usar os suplementos culturais para o que eles são destinados? É de uma irresponsabilidade colossal usá-los como meros reprodutores de desinformação. A maioria das pessoas diz que a educação e a cultura transformam sociedades. A despeito disso, por qual razão os jornais se preocupam em cobrir, em seus cadernos culturais, inutilidades que – perdoem-me o pleonasmo – não acrescentam em nada?

Renato Russo, em “Geração Coca-Cola”, diz que essa geração quando nasceu foi programada a receber o que empurraram para eles com os enlatados “dos USA”. Minha geração também parece ser assim. Até quando vamos continuar a fazer antropofagia com lixo cultural? Mino Carta, em artigo de 2013 na revista
CartaCapital, diz que o Brasil não produz mais escritores como Guimarães Rosa, pintores como Portinari ou repórteres como Rubem Braga. Mas será mesmo que temos condições de produzir grandes escritores, pintores e repórteres com essa “base” que nos é oferecida?

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Pedro Soares é estudante