A campanha para as eleições de 2006 estabelece um gigantesco desafio de discernimento para a opinião pública nacional. No final do ano que vem, estaremos celebrando o resgate de alguma dignidade nas redações, ou estaremos lamentando, como em 1989, a submissão dos editores à vontade dos marqueteiros políticos. O jogo já começou, e não promete oferecer ao leitor o melhor espetáculo em termos de equilíbrio informativo.
Em 1989, com os grandes jornais e revistas semanais babando sobre o badalado charme de Fernando Collor e sua corte alagoana, o espetáculo das manipulações encontrou uma sociedade ainda muito dependente dos diários e da televisão comercial. De lá para cá, a internet se impôs sobre o oceano midiático como um tsunami que não quer recuar, a TV paga multiplicou as alternativas de noticiário e a imprensa diária perdeu mais de um milhão de leitores.
Um dos ícones desse tempo repousa, bem escondido em algumas poucas gavetas, longe dos olhos do público: a preciosa edição-piloto, gestada durante mais de seis meses na redação do Estado de S.Paulo, de uma revista que deveria marcar a grande ofensiva do tradicional jornal paulista sobre a concorrência. Pífia, pobre e provinciana, trazia na capa uma ‘reportagem’ sobre os ‘príncipes do Brasil’ – ninguém menos do que os dois filhos do então presidente. Caras não faria pior.
Nada a oferecer
Mas a imprensa amadureceu e aprendeu algumas sutilezas. Por exemplo, os almoços com próceres do PSDB já não são noticiados, embora nas redações se comente a coincidência entre esses encontros e o incremento de pautas encomendadas, especialmente às editorias de Política e Economia. Neste mês de maio, uma mesma pauta brotou simultaneamente na Folha e no Estado.
Enquanto isso, a área de comunicação do governo petista segue desfilando arrogância e incompetência, oferecendo justificativas para o mais frio dos observadores a respeito de certa dificuldade do partido em compreender o sentido da imprensa na sociedade democrática. Entre uma e outra força política, as possibilidades de a opinião pública vir a receber informação confiável e de qualidade nos próximos meses tende a cair sensivelmente.
Não é mera coincidência que praticamente todos os editores que participaram do Curso Master de Jornalismo desde 1998 tenham sido afastados de seus cargos ou demitidos logo após haverem tentado aplicar em suas redações o resultado de um ambicioso programa-modelo de cobertura eleitoral. O curso, aplicado pelo Centro de Estudos Universitários – entidade vinculada à Universidade de Navarra, Espanha, e ligada à organização católica Opus Dei – permitia estruturar uma cobertura menos vulnerável à editorialização do noticiário político e estabelecia padrões éticos muito claros sobre o tratamento de pesquisas eleitorais, além de habituar os editores a considerar quase diariamente o efeito de cada edição na opinião pública.
Sem um programa como esse nas redações, a mídia tradicional tem pouco ou nada a oferecer ao debate eleitoral. Com esse cenário, fica a imprensa, como instituição fundamental para nossa frágil democracia, à mercê do desprezo que evidentemente lhe vota o atual governo e vulnerável ao poder de influência do mais articulado partido da oposição.
Rolo compressor
Tão seguros estão os estrategistas tucanos de sua ascendência sobre as cabeças da mídia, que se deram ao luxo de arquivar, pelo menos temporariamente, o projeto de uma revista com a qual pretendiam veicular diretamente suas versões da realidade nacional. Seria um título aparentemente neutro, com todas as características de um produto de mercado, mas cuidadosamente dirigido para a formação de opiniões pautadas pelo comando partidário.
A mesma agência que costuma cuidar das campanhas eleitorais foi encarregada de planejar e colocar nas bancas a publicação, o que não deixa margem a qualquer dúvida sobre sua natureza. O projeto está adiado, tendo predominado a opinião da parcela de tucanos que acha mais inteligente reforçar seu quase órgão oficial, a revista Primeira Leitura, e aproveitar a boa-vontade com que, à exceção da CartaCapital, encontra em praticamente toda a imprensa do país.
O espetáculo da arrogância já começou. A pouca importância que o governo petista parece dar àquela parte da opinião pública que ainda tem na imprensa sua principal fonte para compreender a realidade não ajuda a fortalecer nossa democracia. A docilidade com que a imprensa se curva ao rolo compressor da oposição tampouco contribui para escrever um capítulo mais edificante da nossa história.
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Jornalista