O Supremo Tribunal Federal é a vedete do momento e a imprensa não está sabendo como acompanhar os seus trabalhos. No país dos bacharéis, faltam bacharéis nas redações.
No âmago da mais grave crise política dos últimos 50 anos gera-se uma crise institucional com inevitáveis impasses e colisões entre os poderes. Quem deve dirimi-los é o Judiciário, mas para que a sociedade avalie e julgue os juízos dos juízes é indispensável que a imprensa reaprenda a cobrir e a analisar o que se passa no distante e misterioso mundo togado.
O julgamento do último recurso do deputado José Dirceu no STF, para impedir o prosseguimento do seu processo na Câmara (quarta-feira, 23/11), revelou a precariedade da nossa cobertura forense. Dos três jornais nacionais, apenas um, O Globo, examinou no dia seguinte o voto de cada um dos 10 ministros e o troca-troca de opiniões ao longo do julgamento. E o fez num pequeno quadro dentro da matéria sobre a sessão.
No sábado, 26/11, depois de ouvir alguns juristas, O Estado de S.Paulo apontou o erro do presidente da suprema corte, ministro Nelson Jobim, numa pequena matéria (pág. A 26). Ao declarar a votação empatada, Jobim considerou o voto do ministro Cezar Peluzo como favorável à suspensão do julgamento do deputado Dirceu.
Na realidade, o ministro Peluzo entendeu que o julgamento poderia continuar desde que do relatório da Comissão de Ética fosse retirado o depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rabello. Portanto, votou a favor da continuação do processo e contra José Dirceu.
Jobim errou a segunda vez ao considerar que a votação estava 5 a 4. Neste caso, o ministro-presidente não deveria ter provocado o empate já que a sua função precípua é desempatar. O correto seria esperar até a sessão seguinte (quarta, 30/11) e, só então, depois do voto do ministro Sepúlveda Pertence, se manifestar.
Especializada e autônoma
Não são firulas nem irrelevâncias. O STF é a instância máxima, espécie de vitrine da lisura e da transparência. Pequenas falhas nos procedimentos da suprema corte podem causar danos irreparáveis não apenas na vida de cidadãos, mas na credibilidade e sobrevivência do próprio regime.
Quem julga o STF? O recém-criado Conselho Nacional de Justiça, cujo presidente é também o presidente do STF? Ou esta tarefa cabe à imprensa?
A imprensa tem a delegação da sociedade para acompanhar o que se passa na esfera forense, da primeira à última instância. Tem legitimidade para isso. Não dispõe de poderes efetivos, mas detém algo ainda mais poderoso: a capacidade de informar.
Mas, para isso, precisa estar tecnicamente preparada. Para cobrar e fiscalizar é indispensável um mínimo de conhecimento e competência. E, naturalmente, algum apetite para mexer numa área considerada inviolável e inacessível, sempre acima de qualquer suspeita.
A desatenção dos diários (e, por extensão, do resto da mídia) para os incidentes no julgamento da quarta-feira (23/11) pode estimular repetições e, eventualmente, desdobramentos ainda mais graves. A desenvoltura com que o senador Renan Calheiros, presidente do Senado e chefe do Legislativo, estimula a candidatura do ministro Nelson Jobim, chefe do Judiciário, a disputar a chefia do Executivo nas próximas eleições presidenciais dá uma idéia do desprezo da classe política pelas mais comezinhas convenções e procedimentos (ver Estadão, domingo, 27/11, pág. A 6).
Passou o tempo do jornalismo generalista. A cobertura do Judiciário deve ser tão especializada e autônoma quanto a cobertura econômica ou internacional. Jornais responsáveis não podem contentar-se com os releases fornecidos pelas assessorias de imprensa dos diferentes tribunais.
Sem o charme da cobertura política, neste momento uma judiciosa cobertura do Judiciário pode ser decisiva para o futuro do país.