O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (20/09) pela TV Brasil analisou o papel da mídia no combate à corrupção. Desde o início do mandato, em janeiro de 2011, a presidente Dilma Rousseff anunciou que teria tolerância zero com desvios éticos. Nos últimos dois meses, denúncias de irregularidades divulgadas pela imprensa provocaram a queda de quatro ministros. Antônio Palocci, da Casa Civil; Alfredo Nascimento, dos Transportes; Wagner Rossi, da Agricultura; e Pedro Novais, do Turismo, entregaram o cargo após escândalos na administração de suas pastas chegarem às manchetes. Ontem, durante o lançamento do projeto “Parceria para Governo Aberto”, sobre transparência orçamentária e acesso a informações públicas, em Nova York, Dilma Rousseff destacou a “posição vigilante da imprensa brasileira” na fiscalização do poder público.
Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o jornalista investigativo Chico Otávio, repórter especial do jornal O Globo. Professor da PUC-Rio, o repórter recebeu cinco vezes o Prêmio Esso. É autor de reportagens de destaque como o escândalo da LBV, a máfia do INSS, o caso Riocentro e fraudes nas importações. O estúdio de Brasília recebeu o vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),Alberto de Paula Machado. Advogado há 28 anos, Machado foi diretor-secretario do Colégio de Advogados do Mercosul, entidade que reúne os advogados do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
No editorial que abre o programa, Dines sublinhou que o presidente do senado, José Sarney (PMDB-AP), foi denunciado em uma série de escândalos administrativos e, ainda assim, coube a ele indicar três ministros no atual governo. “A presidente Dilma Rousseff está promovendo com discrição e determinação um processo de saneamento e tem sido ajudada decisivamente pela imprensa, já que os quatro ministros demitidos por corrupção foram denunciados pelos jornais. Mas a imprensa parece embalada nas suas façanhas e glórias e esquecida de que, além de denunciar um malfeitor e noticiar a sua punição, cabe a ela acompanhar pacientemente os desdobramentos de cada caso até o ressarcimento total dos prejuízos causados ao erário”, disse.
Desde 1500
A reportagem produzida pelo Observatório fez um retrospecto da corrupção no Brasil. O historiador José Murilo de Carvalho explicou que a transgressão da lei e o aproveitamento de recursos públicos ocorrem desde a chegada de Pedro Álvares Cabral ao país. Ao longo da história, a corrupção adquiriu sentidos diferentes. Durante o antigo regime, por exemplo, o sistema era patrimonial e o uso de recursos públicos para premiação era uma prática corriqueira. “No final do Império, os republicanos falavam que o regime era corrupto, não as pessoas. Em 1930, diziam que os políticos da Primeira República eram carcomidos, que era a palavra que se usava na época”, detalhou. A palavra corrupção popularizou-se na década de 1950, quando o partido político UDN passou a empregá-la em suas virulentas campanhas contra indivíduos.
Na avaliação do historiador, há muitos casos de corrupção porque, no Brasil, esta prática compensa. “Não há punição. Há uma impunidade completa. Quem não quer roubar se pode se dar bem?” . A imprensa, para o historiador, pode ajudar a formar a opinião pública que vai combater essas práticas indevidas e, com isso, inibir comportamentos inadequados. Para o jornalista Clóvis Rossi, a opinião pública tem reagido contra os desvios de conduta apenas de forma virtual, com o envio de correspondências aos jornais e aos gabinetes. “Sem que haja uma indignação fervendo nas ruas, você não consegue resolver o problema porque o mundo político parece não ter noção do que é interesse público”, advertiu.
Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, disse que a sucessão de escândalos ao longo da história pode acabar gerando na população a sensação de que não é possível manter a corrupção dentro de limites aceitáveis. Para o antropólogo Marcos Otavio Bezerra, a idéia de que os brasileiros são portadores de uma cultura corrupta tende a naturalizar as práticas ilegais. “É importante a gente deixar esta ideia de lado. É importante que a discussão a respeito da corrupção no Brasil passe a ver a corrupção como o resultado de práticas institucionais que favorecem mais ou menos a implementação de práticas corruptas e corruptoras”, sublinhou. A imprensa precisa dar “um passo adiante” no combate à corrupção e promover debates sistemáticos em torno do tema.
Destaque internacional
Um dos jornais de maior prestígio da Europa, o diário espanhol El País, tem dado amplo espaço para a cobertura da corrupção no Brasil. Juan Árias, correspondente do jornal baseado no Rio de Janeiro, ponderou que a corrupção existe em todo o mundo, mas a impunidade marca a cena política no Brasil. E esta característica chama a atenção dos europeus porque, no Velho Mundo, a punição para administradores públicos que são pegos cometendo desvios é rápida.
“O Brasil é um dos países mais importantes do mundo. É o país mais democrático de todos os emergentes. A Espanha tem os olhos colocados no Brasil; a Europa e, eu diria, o mundo. A importância que tem dado à luta contra a corrupção é por uma coisa muito simples: a primeira que está dando esta importância é a presidente da República. Algo que é uma coisa paradoxal, uma anomalia, porque em outros países do mundo os movimentos dos indignados contra corrupção e a ilegalidade normalmente são contra os governos”, avaliou Árias.
No debate ao vivo, Dines criticou o fato de os jornais não terem convocado a população a participar da manifestação “Todos juntos contra a corrupção”, ocorrida no centro do Rio de Janeiro na terça-feira, 20. Para ele, a mídia poderia ter mobilizado a população e, assim, atraído bem mais do que os cerca de três mil manifestantes que participaram do evento. O vice-presidente nacional da OAB,Alberto de Paula Machado, ponderou que, muitas vezes, movimentos populares começam pequenos e, com o tempo, ganham maior adesão. “O que é fundamental é que permaneça a indignação da população”, disse.
Inimigo delimitado
Para Machado, é importante que haja focos claros, como nas Diretas Já e na mobilização para o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. “A corrupção é uma bandeira geral, uma bandeira importante, mas talvez um segundo passo seja identificar aquilo que realmente é prioritário nesta grande campanha nacional”. A imprensa, na opinião do representante da OAB, é essencial quando denuncia e também ao repercutir a mobilização da sociedade. “Esse é um papel do qual a imprensa não pode abrir mão, sob o risco de sucumbir à própria sociedade. E não tem rivais nisso”, alertou.
Outras entidades da sociedade civil deveriam estar participando deste processo, na avaliação de Alberto de Paula Machado. O poder de indignação dos estudantes e dos trabalhadores, por exemplo, é fundamental nesta situação. “Nós temos, neste momento, uma inserção política, partidária, de algumas entidades muito maior e isso prejudica a sua independência e a sua mobilização neste momento histórico sob pena de a gente comprometer um ou outro interesse”.
Para ele, é preciso limpar a política brasileira através de medidas que legitimem o processo político e evitem a contaminação por interesses comerciais. A Lei da Ficha Limpa é um bom exemplo de atitudes concretas neste sentido. “Nós temos uma outra medida. A própria OAB ingressou agora com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para impedir a doação de empresas privadas a campanhas políticas exatamente porque nosso histórico indica que esse dinheiro, depois, volta para a empresa privada”, disse. Medidas saneadoras e pontuais que inibam o forte interesse econômico presente na conjuntura política é que podem depurar o processo eleitoral no Brasil.
Cobertura sobe-e-desce
Chico Otávio comentou que, em diversas ocasiões, a mídia denuncia uma irregularidade, mas não pode dar continuidade ao assunto por conta da morosidade do sistema judiciário brasileiro. “A gente, muitas vezes, tem que ficar esperando as coisas acontecerem, os prazos são dilatados. Eu já tive embates com os meus editores porque eu queria continuar e eles ponderaram que ia virar uma campanha. Se você não tem um fato novo, a cobertura de uma denúncia acaba virando uma campanha contra o denunciado. A gente fica na dependência deste desdobramento, que é lento, que às vezes demora anos para acontecer”.
Embora concorde que a divulgação da manifestação de terça-feira poderia ter sido mais ampla, Chico Otávio avalia que a imprensa tem coberto a mobilização com destaque. “Mas, infelizmente, a gente não pode ‘fazer de conta’. Se a população não atende a este apelo, não dá para continuar mostrando um grande clamor nas ruas. O que está acontecendo no Brasil é uma crise de representatividade. A população não se vê tão estimulada assim a ir para as ruas gritar e bater panela”, argumentou o jornalista.
Ele comentou que fica receoso com o atual estado de apatia da sociedade brasileira. “Minha mãe é leitora do jornal onde eu trabalho e disse: ‘muitas vezes parece que você só trocou o nome do denunciado na matéria, que o texto é o mesmo, o problema é o mesmo e vira e mexe os jornais estão voltando à mesma questão só com a troca de personagem’. De certa forma, gera uma apatia. Ninguém mais quer protestar. Ao invés de protestar, as pessoas preferem ficar em casa fingindo que nada está acontecendo. Lamentável”, criticou. Na avaliação de Chico Otávio, atualmente, apenas dois segmentos tomam as ruas com movimentos populares e, curiosamente, estão opostos em questões morais – os gays e os pentecostais.
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Revolução ética
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 611, exibido em 20/09/2011
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Por casualidade, sem qualquer investigação, foi flagrada a gênese da corrupção brasileira. A persistência e virulência da imoralidade em nosso país relacionam-se diretamente com a leniência do Judiciário. Isto ficou evidente na última semana, quando o Superior Tribunal de Justiça anulou as provas coletadas pela Polícia Federal contra o clã Sarney, durante a operação Boi-Barrica.
O caso torna-se ainda mais grave quando se sabe que a divulgação destas provas contra os Sarney gerou a surpreendente mordaça imposta ao Estadão e que já dura dois anos. Também convém lembrar que o chefe do Legislativo, o senador Sarney, foi em última análise o responsável pela indicação de três dos quatro ministros demitidos pela presidente Dilma Roussef por improbidade, além de avalista dos respectivos substitutos.
A corrupção é uma deformação que não existe isolada. A corrupção necessita de uma boa base autoritária, exige um clima de ineficiência e precisa, sobretudo, de cumplicidade e segredo. Convém lembrar que o presidente do Senado, José Sarney, foi o criador dos aberrantes atos secretos usados durante anos pelos administradores da câmara alta.
A presidente Dilma Roussef está promovendo com discrição e determinação um processo de saneamento e tem sido ajudada decisivamente pela imprensa, já que os quatro ministros demitidos por corrupção foram denunciados pelos jornais.
Mas a imprensa parece embalada nas suas façanhas e glórias e esquecida de que, além de denunciar um malfeitor e noticiar a sua punição, cabe a ela acompanhar pacientemente os desdobramentos de cada caso até o ressarcimento total dos prejuízos causados ao erário. A crise moral em que nos encontramos oferece uma formidável oportunidade para a revolução ética que muitos prometeram, mas ninguém teve a coragem de começar.