A imprensa parece ter se rendido aos resultados da política econômica do governo. Com o dólar rompendo, para baixo, a barreira dos 2 reais sem que o Armagedon tenha desabado sobre os exportadores, com a Petrobras absorvendo as perdas na Bolívia – e ao mesmo tempo assumindo um ambicioso plano de responsabilidade ambiental e social –, com a consolidação da presença brasileira no ambiente diplomático e econômico internacional, a imprensa dá sinais de que começa a assimilar a presença, em Brasília, do ‘baianinho’ sem escolaridade.
Com a Bolsa de Valores batendo recordes, o aumento do fluxo de investimentos produtivos, a queda da inflação e a longa série de boas novas no que se refere aos números, está na hora de a imprensa voltar os olhos para as pessoas. É hora de cobrar uma transferência efetiva dos ganhos econômicos para a sociedade, especialmente aquela parte massiva que ainda se encontra apartada do que chamamos bem-estar.
O principal problema do Brasil continua sendo a desigualdade social. Não há hipótese de construirmos um projeto de desenvolvimento sustentável sem que haja a inclusão dos cerca de 60 milhões de brasileiros que atualmente não têm acesso garantido a um padrão digno de vida. O cinismo daquela antiga hipótese segundo a qual é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo já não cabe, nem mesmo nos círculos mais conservadores. A opinião pública brasileira evoluiu no sentido de uma consciência cívica mais apurada, como demonstram pesquisas continuadas coordenadas pela historiadora Samyra Crespo, diretora do Instituto de Estudos da Religião (ISER).
Sociedade sustentável
Não é possível que os editores de revistas, jornais e emissoras de rádio e televisão ignorem essa mudança no padrão de percepção da realidade por parte da opinião pública. Claramente, segundo as pesquisas divulgadas pelo Iser e por outros institutos, o olhar do cidadão se dá cada vez mais sobre a totalidade do cenário observado. Isso quer dizer que a sociedade não vê separadamente a economia e a política, a educação e a saúde.
Essa percepção do cidadão se manifesta claramente em seu comportamento como consumidor de bens e serviços. O desenvolvimento recente dos mecanismos e políticas de defesa do consumidor é conseqüência dessa nova consciência, que se revela na crescente intransigência com que as pessoas encaram filas ou produtos defeituosos. Consumo consciente é um dos aspectos essenciais da construção de sociedades sustentáveis.
O que isso tem a ver com a imprensa?
Estado de alerta
Tem que a imprensa poderia – talvez devesse – aplicar ao problema da desigualdade na qualidade de vida o mesmo critério que dedica à questão da qualidade do consumo. A desigualdade social está na raiz dos problemas de educação e saúde coletivos, afeta diretamente o tema segurança e, sem dúvida, influencia os processos de composição dos poderes públicos pela forma como são escolhidos candidatos a cargos no Legislativo ou nos poderes executivos das três instâncias. Trata-se, claramente, da base do sistema democrático.
Agora, que a mídia parece se render às evidências do sucesso econômico do governo, corremos o risco da carência de manchetes, sempre dependentes de uma nova operação da Polícia Federal. Construir uma pauta social e cobrar do governo federal e dos governos estaduais e municipais resultados efetivos de transferência, para as populações mais necessitadas, dos benefícios do crescimento econômico, seria uma forma de manter a imprensa em alerta e com o espírito crítico atilado.
Nesse terreno, há muito que cobrar dos governantes, inclusive e principalmente daquele ‘sapo barbudo’ que a grande imprensa não consegue deglutir.
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Jornalista