O barão da mídia anglo-saxônica Rupert Murdoch acredita em contos de fadas: imagina que se os portais de notícias e os mecanismos de busca da internet resolverem cobrar pelo copioso conteúdo que oferecem gratuitamente cairá o número de acessos, aumentará a procura por jornais que os abastecem e, assim, garante-se a sua sobrevivência.
Por outro lado, as telefônicas brasileiras estão esperando mais uma dádiva da divina providência e pressionam governo e legislativo para obter o direito de transmitir a programação da TV por assinatura e rapidamente se transformarem em produtoras de conteúdo. Com isso, poderão oferecer noticiário televisivo por meio de celulares sem depender de concessões, como acontece com o atual sistema de radiodifusão. E como fica a cláusula da isonomia?
Quem garante que o cidadão vai ficar o dia inteiro de olho na telinha do celular para saber o que está acontecendo? E quem gosta da TV para entreter-se – caso da massa de cultores das telenovelas – abrirá mão da telona de alta definição com qualidade de cinema?
Outro grupo de devotos de mágicas, também abrigados sob o manto das operadoras de telefonia, apostam todas as fichas no projeto de grandes jornais virtuais. Fizeram as contas e concluíram que liberados dos custos do papel e da distribuição poderão oferecer na web um produto de alta qualidade jornalística por um quarto do custo de um veículo impresso.
Informação trabalhada
Estas devoções podem se materializar tanto no varejo como no atacado. Mas, por enquanto, são hipóteses, no máximo wishfull thinking. Ninguém garante que o Google transformado em commodity continuará a ser utilizado com a mesma intensidade. Por enquanto é um bônus oferecido gratuitamente pela indústria digital. Seus consumidores estarão dispostos a pagar por aquilo que sempre receberam de graça? E a pirataria vai acabar? A geração de novas tecnologias será de repente estancada? A humanidade está disposta a retroceder e perder o privilégio da informação aberta e universal?
Por outro lado, ninguém garante que os ex-leitores de jornais de repente voltarão a comprá-los para ler as mesmas banalidades e abobrinhas que aparecem na TV aberta. A comparação entre os custos de produção de jornais abertos e seus equivalentes digitais precisa levar em conta que uma equipe produz uma edição impressa por dia, sete dias por semana, enquanto um portal noticioso da internet é contínuo, ininterrupto. Serão necessárias equipes maiores, imensas, não apenas para produzir novas informações, mas para juntá-las e contextualizá-las permanentemente, 24 horas por dia. A não ser que na internet brasileira seja consagrado o atual modelo híbrido no qual o fluxo noticioso é intermitente e limitado, das 8 às 22 horas.
Certo, comprovado e garantido: o cidadão quer informação, e informação de qualidade. Como afirma o veterano Sir Harold Evans em seu recente My Paper Chase, o público primeiro seduz-se com opiniões e truculência, em seguida busca informação trabalhada, investigada, obtida com muita transpiração.
Este mesmo Evans notabilizou-se quando dirigiu o Sunday Times e numa admirável cruzada jornalística enquadrou a indústria farmacêutica britânica, obrigando-a a indenizar as famílias das crianças cujas mães tomaram o medicamento Talidomida durante a gestação.
Bolhas e modismos
Um portal noticioso da internet conseguiria concentrar suas baterias numa cruzada capaz de galvanizar uma sociedade inteira? O propinoduto de Brasília conseguiria causar a mesma repercussão se fosse veiculado apenas na internet ou mesmo na internet+TV aberta?
O jornalismo não foi engendrado nem mantido ao longo de quatro séculos por um ‘modelo de negócio’. Sua gênese está assentada em paradigmas morais e exigências públicas. É um erro ficar à espera de fórmulas messiânicas, salvacionistas, que jamais produzirão qualidade e fidelidade dos consumidores. O que enfraqueceu o jornalismo nas duas últimas décadas foi a sua ligeireza, sua submissão às bolhas, aos modismos e, sobretudo, sua adesão ao oportunismo político.
Eis ai uma agenda para esquentar a 1ª Conferência Nacional de Comunicação. É uma lástima que os empresários não queiram debatê-la.