Pouco depois das 23h20 (3 de fevereiro, horário local) e a população do Nordeste ficou às escuras. O que parecia ser uma simples interrupção no fornecimento de energia elétrica se configura como um grande blecaute: 90% dos consumidores da região, com exceção dos maranhenses, suam no breu. A notícia pipoca nas redes sociais, e a expressão #apagão logo lidera o ranking dos termos mais citados no Twitter.
Alheios à escuridão que atinge boa parte da nação nordestina, os principais portais de notícia do Brasil ainda destacam as manifestações no Egito. O que poderia ser apenas um retardo na apuração do fato se torna pior: o apagão começa a existir no G1, R7, O Globo e Folha de S.Paulo, mas o foco principal é a demora para começar o show de Ivete Sangalo. Em 10 ou mal traçadas 15 linhas, os portais nacionais ignoraram que o Nordeste é muito mais que axé e se limitaram a informar que o show de Veveta, o furacão baiano, ainda não havia começado. ‘Apagão atrasa show de Ivete Sangalo’, ‘Mesmo com apagão Ivete agita o público’ e ‘Ivete canta no escuro no Festival de Verão’ eram algumas das chamadas da madrugada.
Difícil entender como os profissionais que estavam de plantão nesses veículos não se deram conta que um blecaute – muito mais que um show – afeta a rotina de toda uma população. A dificuldade na apuração não pode ser encarada como uma desculpa, até mesmo porque nos sites dos principais jornais do Nordeste já havia informações consistentes sobre o tema.
À mercê da falta de sensibilidade
Questões básicas tinham que ser apuradas e respondidas pelos portais nacionais, ainda que superficialmente: como está o funcionamento dos hospitais e maternidades? Há algum colapso no trânsito por conta da falta de energia? Houve problema nos supermercados e postos de combustíveis? Corpo de Bombeiros, Samu, Polícias Civil e Militar estão recebendo chamados de última hora, por conta do apagão? Há indícios de ataques de bandidos? A apuração esmiuçada, trabalho de formiguinha mesmo, demanda tempo e energia, e o caminho mais curto foi seguir pelo lado fácil.
A notícia com foco no atraso do show de uma celebridade adquiriu muito mais importância que, praticamente, as agruras de toda uma região no escuro. Sem querer entrar nos meandros separatistas ou de puro preconceito com os estados que formam a região Nordeste, tenho certeza de que a abordagem da notícia seria diferente, caso o blecaute tivesse atingido São Paulo ou o Rio de Janeiro. Alguém aí tem dúvidas?
O jornalismo de conteúdo não pode ficar à mercê da falta de sensibilidade dos coleguinhas para o que interessa a quem colabora, de forma cada vez mais presente, na cultura e economia do país. Como levar a sério um jornalismo tão míope que não consegue ver a importância da região Nordeste e ignora o que atinge, aflige e incomoda uma população que forma 28% do Brasil (índice inferior apenas ao do Sudeste), segundo o mais recente censo do IBGE?
Confesso: não foi esse o tipo de jornalismo que aprendi a fazer e sei que ele não acrescenta nada ao que gostaríamos de deixar registrado para a história.
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Jornalista, diretora-executiva do Jornal da Paraíba, João Pessoa, PB