Os grupos empresariais que exploram comercialmente tanto a mídia impressa como o serviço público de radiodifusão sempre recorrem aos princípios fundamentais da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão na defesa de seus negócios. Tem sido assim toda vez que uma nova proposta de política pública contraria os interesses dominantes no setor.
Já argumentei neste Observatório que liberdade de imprensa e liberdade de expressão são liberdades que não podem, sem mais, ser equacionadas como idênticas (‘Alhos e bugalhos: Liberdade de imprensa e liberdade de empresa‘).
Naquela ocasião, lembrei que, quando surgiram no século 17, ambas as liberdades se referiam à ausência de restrições exercidas pelo poder do Estado absolutista, isto é, autoritário e não-democrático.
Liberdade de expressão
Muita coisa mudou, porém, desde os tempos em que os indivíduos se reuniam nas pequenas comunidades do Velho Mundo para discutir e decidir sobre problemas comuns e em que liberdade de ‘imprensa’ (press) significava o direito individual de imprimir.
O desenvolvimento tecnológico e a conformação dos sistemas econômicos fizeram com que as sociedades se tornassem muito mais complexas. Grande parte da comunicação humana passou, aos poucos, a ser intermediada por tecnologias e instituições – privadas ou públicas – que estão longe de ser meros transmissores através dos quais a informação circula.
Não é segredo para ninguém que a nova indústria das comunicações que surge da convergência tecnológica após a diluição das fronteiras entre telecomunicações, comunicação de massa e informática é um grande negócio. Exemplo de concentração da propriedade, esta nova indústria se reduz hoje a alguns megagrupos privados e seus parceiros regionais no mundo globalizado.
Neste contexto, é interessante observar que, nos debates sobre liberdade de imprensa, dificilmente apareçam as dificuldades que um cidadão comum do nosso tempo tem para exercer o seu direito individual à liberdade de expressão. Vale dizer, de expressar, ele próprio, sua opinião publicamente.
Tentativas fracassadas
O que ele deve fazer? Como competir com os grupos de mídia já existentes? Como conseguir o volume de capital necessário para ser proprietário de uma empresa de comunicações? Ou deveria ele escrever para a seção de cartas dos jornais e revistas? Ou organizar-se, em sua comunidade, criar uma associação ou fundação sem fins lucrativos, juntar os recursos (?) e solicitar ao Ministério das Comunicações uma autorização para uma rádio comunitária? Ou deveria criar um blog na internet e torcer para que ele fosse acessado por milhões de internautas (sabendo de antemão que 79% dos brasileiros jamais acessaram a internet)?
Essas questões – vinculadas aos princípios da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão – vêm a propósito das imensas dificuldades para se criar uma mídia alternativa aos grandes grupos dominantes. Por que não temos uma mídia alternativa, como ocorre em diversos países semelhantes ao nosso? Por que será que inúmeras tentativas, sobretudo na mídia impressa, têm sistematicamente fracassado entre nós?
Na última semana, tornou-se pública a agonia da Agência Carta Maior, um sítio de notícias na internet [ver ‘A Carta Maior não pode acabar‘]. Desde 2001, a Carta Maior pretendia se constituir em uma mídia alternativa, cobrindo os movimentos sociais e abrigando temas que, em geral, não são suficientemente pautados pela grande mídia, inclusive temas ligados a ela própria, a mídia. Só que faltaram recursos para tocar o negócio. Como convencer os anunciantes e patrocinadores de que a mídia alternativa também vale a pena?
Questão em debate
Um dos editoriais que informou os leitores sobre ‘o fechamento iminente’ da Carta Maior afirma:
‘A situação vivida por Carta Maior é a da maioria dos veículos de comunicação dessa imprensa alternativa, ou outro nome que se lhe queira dar. Portanto, uma forma de ajudar a todo esse conjunto absolutamente necessário para a democracia da nossa comunicação é debater essa questão, escrevendo a respeito, colocando-a em pauta nos sindicatos, partidos, organizações não governamentais, escolas, universidades, em todos os veículos que estiverem ao alcance dos leitores.’
A se confirmar o anunciado fechamento da Agência Carta Maior, estará novamente colocada a questão fundamental das alternativas à grande mídia. No momento em que se discute a criação de uma rede pública de televisão, é de se perguntar: há ou não necessidade de se ter também uma mídia privada alternativa à grande mídia? De que forma estará melhor servido o interesse público?
Como exercer a liberdade de expressão em nossos dias? É essa a questão fundamental para a qual precisamos oferecer respostas.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)