Na semana em que se comemora a Independência do Brasil, ocorrida há 184 anos, rememoramos um momento de ruptura e temos mais uma chance de transformar esse ‘lembrar’ numa reflexão sobre o país nos mais variados aspectos. Afinal, somos uma nação com mais de 187 milhões de brasileiros marcada por mazelas que não nos abandonam desde a escravidão.
A preocupação com a questão da nação atravessa a história do pensamento brasileiro e se revela particularmente acentuada nas conjunturas assinaladas e simbolizadas nos momentos de ruptura, como o da Declaração da Independência (1822), da Abolição da Escravatura (1888), da Proclamação da República (1889), da Revolução de 1930, segundo bem assinalou o sociólogo Octávio Ianni em sua obra A idéia de Brasil moderno (1992).
Num cenário mundial marcado pelo avanço tecnológico, convergência multimídia e acelerada globalização econômica, é importante pensar sobre o conceito de nação, embora o discurso neoliberal tanto propague seu enfraquecimento. E parar para pensar o 7 de Setembro e o sentido de nação brasileira nos remete aqui a ressaltar a importância dos jornais. Por quê?
Os jornais ajudam a fixar o sentido da nação e a reforçar nossa identidade. Na acepção do sociólogo e historiador Benedict Anderson, nação é uma comunidade política imaginada como implicitamente limitada e soberana. E essa concepção se estabeleceu com a ajuda de dois recursos técnicos que floresceram na Europa no século 18: o romance e o jornal.
Mazelas
O jornal permite a vinculação imaginada do indivíduo na nação de duas formas. A primeira, fixando o calendário, pois a data em suas páginas impressas, a marca peculiar importante que apresenta, fornece a conexão essencial que é a marcação regular da passagem do tempo homogêneo. Já a segunda forma encontra-se na relação entre o jornal, como uma forma de livro, e o mercado. Em sentido muito especial, o livro foi a primeira mercadoria industrial produzida em série no estilo moderno. O jornal não passa de uma ‘forma extrema’ do livro, um livro com fragmentos e versões sobre o real e vendido em escala imensa, porém de popularidade efêmera. Parafraseando Benedict Anderson, os jornais são best-sellers por um dia.
Eles reforçam o sentido de nação também porque o leitor comunga da cerimônia de leitura com milhares de outros, de cuja existência está seguro, embora não tenha a menor idéia sobre suas identidades. O leitor, vendo réplicas exatas desse produto sendo consumidas por seus vizinhos, no trabalho ou mesmo na rua, sente-se permanentemente tranqüilo a respeito de que o mundo imaginado está visivelmente enraizado na vida cotidiana.
As páginas dos jornais funcionam ainda como ‘lugares de memória’ (aqui citando o historiador Pierre Nora), pois registram as comemorações de dias como o 7 de Setembro e auxiliam a sociedade a voltar, de certa forma, aos sentidos dos momentos que marcaram a história oficial da nação. Elas são arquivos dos fatos da cidade, do estado e do país, do dia-a-dia e dos costumes de um povo e de sua época.
E, na semana do dia da Declaração da Independência, cabe lembrar o papel dos jornais (e dos outros meios de comunicação) de informar e de serem agentes fundamentais para a manutenção da democracia, mas urge lembrar também, com infelicidade, que o Brasil tem um índice de 13,6% de analfabetismo, segundo dados do IBGE; e que no ranking de leitura de jornais de 2005, feito pela Associação Mundial de Jornais (WAN), amargou a 50ª posição numa lista de 94 países. Estes são alguns dos aspectos da nação dos quais certamente não há o que comemorar neste início de século 21.
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Jornalista, doutoranda em Comunicação e Cultura pela UFRJ e professora da Faesa (ES)