Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A notícia fragmentada

Vinicius Romanini é jornalista com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela USP. Foi repórter, editor ou colaborador nas revistas Veja, Terra, Viagem e Turismo, Superinteressante e Exame PME, nas quais cobriu principalmente assuntos de meio ambiente e sustentabilidade. É professor de Filosofia e Teoria da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da USP e de semiótica na Faculdade de Arquitetura da mesma instituição.

A entrevista a seguir foi concedida ao programa radiofônico deste Observatório.

***

É impressão do observador, ou o noticiário da imprensa brasileira é fragmentado?

Vinicius Romanini – Não é impressão. Isso é uma percepção real. O conceito com que o jornalista trabalha de notícia, no meu entender, está ultrapassado. A notícia, a teoria da notícia, a teoria do Jornalismo não acompanhou o entendimento do que é comunicação. Hoje as teorias da comunicação mais avançadas tentam incluir conceitos como complexidade, relação, sistema, fluxos continuados. E a teoria da notícia, que ainda se ensina e que se pratica nas redações, é de que a notícia é uma unidade fechada. Ela é uma construção que tem um formato e os manuais repetem isso continuadamente, de forma que a gente tem aí um ciclo vicioso. O jornalismo se construiu historicamente em cima disso, as teorias da comunicação jornalística repetem este modelo, e os novos jornalistas estão chegando às redações sem a criatividade para ultrapassar esse modelo.

Na sua opinião, trata-se de falta de capacitação, falta de interesse ou falta de percepção dessa mudança?

V.R. – Na academia, é falta de novas teorias. A gente precisa avançar na produção teórica do Jornalismo. Precisamos pensar mais, refletir mais sobre o que é o Jornalismo em uma sociedade complexa, em uma sociedade que se estrutura a partir da informação, da comunicação. Hoje você tem em todos os âmbitos, em todos os estágios da sociedade, fluxos de informação circulando. A sociedade hoje se estrutura a partir da informação e a informação jornalística é uma parte crucial, importante, fundamental, mas é uma parte desse fluxo. Só que ela não está se conectando com os demais fluxos. Então essa visão sistêmica de que a sociedade se constrói dentro de uma estrutura maior, mais ampla, ela não está sendo praticada no fazer jornalístico.

Se as empresas jornalísticas investem bastante na capacitação de seus profissionais, por que não se consegue produzir um jornalismo mais adequado à sociedade contemporânea?

V.R. – É a história do ovo e da galinha. A gente ainda faz aquilo que é mais fácil. Aquilo que industrialmente é mais viável. Fazemos um Jornalismo para caber dentro das possibilidades industriais de produção e de veiculação. Não estamos fazendo um Jornalismo que questione o modelo de produção jornalística, para fazer esses modelos acompanharem o desenvolvimento das necessidades sociais de informação. A gente continua fazendo aquilo que é mais fácil, mais facilmente empacotado, para servir normalmente a interesses de marketing, de publicidade. O Jornalismo hoje é um agregado: ele vai a reboque das necessidades de veiculação industrial que são ditadas pelas agências de publicidade, pelos esquemas de marketing, pelos projetos de marketing. E o jornalista hoje é uma figura secundária na indústria de produção jornalística. Ele não é mais o principal.

Por que então esse Jornalismo mais moderno, esse Jornalismo mais avançado não brota nos sites de jornais na internet?

V.R. – Porque a internet e, principalmente, os sites dos veículos de comunicação repetem esses mesmos erros. Muito raramente você tem um site de uma empresa jornalística que realmente ousa a integrar na sua forma de produção noticiosa as potencialidades desses meios de comunicação. O que a gente vê é que fora dos sites das empresas jornalísticas, na sociedade, começam a brotar formas de fazer jornalístico, de fazer comunicacional, eventualmente por jornalistas que não estão empregados, não estão com carteira em jornais. Esses jornalistas testam novas possibilidades e conseguem resultados muito mais criativos, muito mais efetivos do que o Jornalismo mais tradicional, feito pelas empresas mais conhecidas.

Essa pode ser uma das explicações para a queda na leitura do jornal e da revista impressos?

V.R. – Não tenho dúvida. Acho que os meios digitais, não só colocaram em xeque a sustentabilidade do modelo impresso… Hoje, no meu entender, não faz mais sentido – dada a possibilidade de você fazer circular em tempo praticamente real, em tempo online, a informação – você ter todo um parque industrial pesado, que consome energia, recursos, tinta, papel. Aquele parque industrial que não pertence nem ao século 20, mas ao século 19. Pensar que o Jornalismo vai se estruturar a partir de meios físicos é um engano, hoje. O que a gente tem é que investir em um Jornalismo que absorva a complexidade das novas mídias, das novas tecnologias, e que saiba se aproveitar delas.

Como senhor vê a cobertura da imprensa sobre o tema da sustentabilidade e principalmente a questão ambiental?

V.R. – A qualidade da cobertura vem crescendo bastante. Tenho acompanhado a maneira como os jornalistas lidam com os conceitos que não são simples, são bastante complexos, envolvem interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, que, normalmente, não são as formas como os jornalistas costumam tratar os assuntos, [no sentido de] conectar conceitos vindos de várias áreas. Mas percebo um esforço muito grande da imprensa brasileira em alcançar uma cobertura que esteja à altura das necessidades de um Brasil que está ganhando participação cada vez maior, não só nessa questão, mas talvez no mundo, na parte econômica, no desenvolvimento da América Latina. Nesse aspecto, a imprensa vai bem.

O que eu acho que vai mal é a maneira como nós – e aí não é mais a questão dos jornalistas – ainda entendemos o conceito de sustentabilidade, a palavra sustentabilidade. É uma palavra que vem se desgastando. Ela virou uma moeda fácil, todo mundo se diz sustentável. As empresas sequestraram esse termo e hoje ele frequenta as latinhas de refrigerante, os pacotes de farinha. E eu acho que aí, sim, reside um perigo: a sociedade está absorvendo o conceito deixando de entendê-lo mais profundamente. Nisso eu acho que há um risco.

Falávamos de sustentabilidade. O tema ainda não atravessa transversalmente as edições? Muitas vezes ele está em um caderno especial ou na editoria de Ciência. Não existe essa mesma abordagem, por exemplo, na área de Economia e Negócios.

V.R. – Na área de Economia e Negócios, a sustentabilidade é uma das que mais aparece. Porque o conceito de sustentabilidade financeira, hoje, não é mais aquela coisa de fluxo de caixa, de entradas e saídas, de você fechar no azul no final do mês. Hoje sabe-se que é fundamental para uma empresa, para o futuro dela, que tenha a sustentabilidade no seu DNA, na sua maneira de produção. O seu modelo de negócio tem que ser sustentável, para que ela possa, no futuro, receber financiamentos, investimentos, para que ela não acumule passivos ambientais que possam, depois, onerar acionistas. As empresas estão muito atentas à sustentabilidade.

O problema desse termo é que, como você bem disse, ele é transversal. E a transversalidade é uma coisa difícil de ser compreendida. Por quê? Porque você tem que pensar na sustentabilidade como uma grande cadeia. Uma empresa não é sustentável sozinha: ela só é sustentável se os seus fornecedores também o forem, e os fornecedores dos fornecedores, e assim sucessivamente. A coisa rebate. E ela também deve pensar na sustentabilidade dos consumidores. Ela não pode entregar o produto na gôndola do supermercado e achar que o que o consumidor vai fazer com aquele produto é um problema dele, do governo, das ONGs, do Ministério Público. Ela faz parte da cadeia e tem que ter a responsabilidade de ensinar aos seus consumidores como consumir de uma maneira sustentável aquilo que ela está oferecendo.

A imprensa consegue chegar a esse sistema complexo?

V.R. – Não. Pelo contrário. Embora a imprensa tenha um esforço muito grande em se aproximar das questões climáticas, ambientais, de sustentabilidade, ela não consegue porque a própria Ciência, nossa própria concepção de realidade, é muito fragmentada. Você pega a Universidade de São Paulo. A USP é toda departamentalizada. A Biologia não conversa com a Química, que não conversa com a Economia, que não conversa com a Comunicação, que não conversa com a Arquitetura, que não conversa com a Psicologia. Cada um está na sua trincheira. Mas quando a gente pensa sustentabilidade, o mundo é um só, o mundo não está dividido em camadas. O homem dividiu as camadas, especializou o conhecimento nesses layers, e agora ele está tendo que enfrentar uma realidade complexa, em que as redes estão todas ali, conectadas. Só que ele não produziu uma Ciência, um conhecimento que dê conta das relações, porque ele fez a opção pela fragmentação.