Até que ponto se deve qualificar como resultado de ‘catástrofe natural’ as mais de 660 mortes provocadas no estado do Rio de Janeiro pelas chuvas da semana passada?
As chuvas torrenciais, em si, certamente devem ser debitadas à natureza, como fenômenos comuns do verão agravados pelo aquecimento global, mas a contagem dos mortos não deveria ter uma relação direta com a meteorologia.
Quanto da ação ou da omissão humana deveria responder pelo grande número de vítimas e pela devastação produzida nas cidades serranas? Nesse caso, a quem cabem as responsabilidades?
O noticiário de terça-feira (18/1), dando conta de que o governo está colocando em ação um plano criado em 2005, precisa ser mais bem explicado pela imprensa. O leitor deve ser esclarecido se o Cenad, órgão criado há meia década para juntar e coordenar um sistema preventivo e ações de resposta a desastres naturais, foi congelado por burocratas, se faltou verba ou se as ações desenvolvidas não foram suficientes para vencer a imprevidência nos locais onde a construção de moradias deveria ser evitada.
A primeira tendência dos jornais é afirmar que o sistema agora anunciado ficou paralisado por cinco anos, mas a mesma reportagem se contradiz, ao informar que no acordo firmado pelo Brasil e outros 167 países após o tsunami na Ásia, os sistemas de alerta para reduzir riscos de eventos naturais deveriam estar prontos até 2015.
Nada justifica que um plano como esse fique esquecido, principalmente num país onde o déficit habitacional empurra milhões de famílias para as periferias das cidades, onde faltam infraestrutura e condições adequadas de construção. No entanto, a leitura dos jornais deixa uma sensação de notícia inacabada.
A falta de planejamento, ou o planejamento equivocado, fez das cidades brasileiras um emaranhado de pistas para automóveis. O solo foi impermeabilizado e o ser humano empurrado para o espaço que sobrou. Os cursos d’água foram contidos em canais de concreto e eventualmente até suprimidos, transformando-se em galerias de esgoto.
Reverter toda a história das cidades é tarefa para décadas, mas a prevenção pode ser feita a qualquer momento. Sem o olhar de longo prazo, a informação fica incompleta.
Só no curto prazo
A imprensa que funciona no conceito da notícia de última hora tem certa dificuldade para tratar de assuntos de longo prazo. No caso do período em que denunciavam o ‘caos aéreo’, por exemplo, os jornais se concentravam sempre nos fatos do dia, omitindo o histórico do setor.
Por exemplo, no começo dos anos 1990, apenas um terço do espaço aéreo brasileiro era controlado. Os salários eram muito baixos e muitos controladores tinham que manter outro emprego ou ocupação. Havia entre eles até mesmo quem fizesse ‘bico’ de guarda noturno, segundo o noticiário da época.
Já em 1991, o Sindicato Nacional dos Controladores de vôo denunciava a ocorrência de um ‘caos aéreo’, expressão que seria adotada genericamente pela imprensa cinco anos depois. Reportagem da extinta Rede Manchete, na ocasião, não mereceu qualquer atenção dos jornais.
Em 2005, quando começou a ser mais frequente o noticiário sobre dificuldades de passageiros nos aeroportos, o movimento havia crescido 19% sobre o ano anterior. Coincidentemente, na época as empresas do setor passavam por crises constantes, que levaram ao fechamento da Vasp, daTransbrasil e da Varig. Por outro lado, os investimentos no setor nos últimos vinte anos nunca alcançaram o crescimento da demanda.
O processo de globalização vinha desde o final do século 20 estimulando o aumento do uso do transporte aéreo em todos os continentes, e em abril de 2010 cerca de 30 milhões de passageiros tinham perdido vôos em todo o mundo por causa do fechamento de aeroportos em 27 paises do Hemisfério Norte, naquele que foi considerado o maior caos aéreo de todos os tempos, ainda mais grave do que a confusão que sucedeu os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.
Essa história nunca é contada nas reportagens sobre problemas atuais.
Assim como no caso das deficiências do setor de aviação civil, o despreparo das cidades brasileiras para os eventos climáticos precisa ser explicado fora do contexto da emergência.
Observatório na TV
O Observatório da Imprensa vai retransmitir, na terça-feira (18/1), a primeira parte do programa especial sobre o cinquentenário de Brasília. Às 22h na TV Brasil, em rede nacional. Em São Paulo, pelo canal 4 da Net e 181 da TVA.