A Folha de S.Paulo presta um grande serviço ao país, em especial à história e cultura nacionais, ao colocar à disposição do público todo seu acervo digitalizado e ao dedicar espaço e destaque a textos e imagens que evocam o passado.
Na segunda-feira (23/5), uma capa falsa trouxe uma espécie de jornal das 30 mil edições que ela fez em sua história.
Pode-se discutir se a hierarquização que a Folha deu aos fatos das últimas nove décadas é ou não a mais correta. Como também se pode colocar em questão se é certo ou recomendável um jornal ocultar as notícias do dia presente para realizar uma ação de autopromoção.
Mas é inegável que a ideia da Folha incentiva o leitor a explorar uma perspectiva histórica pouco usual e a duvidar do entusiasmo com que os veículos de comunicação, Folha inclusive, costumam acolher novidades que parecem absolutamente sensacionais quando ocorrem, mas que com o tempo se depuram e ganham dimensão mais adequada a seu real tamanho.
O mais importante
O 11 de setembro de 2001, por exemplo, por meses definido como um acontecimento depois do qual o mundo jamais seria o mesmo, dez anos depois merece só um texto-legenda abaixo da dobra da primeira página das 30 mil edições do jornal. Daqui a mil edições, talvez vire um apenas resumo no rodapé.
Um ano após a revelação de que o WikiLeaks iria divulgar dezenas de milhares de documentos secretos do Departamento de Estado americano, quem ainda se aventura a afirmar que ele alterou definitivamente a história do jornalismo e da diplomacia mundiais?
Essa relativização seria útil para conter o ardor no dia a dia. Quantos "casamentos do século" ou "jogos do século" houve no século 20, se forem levados em conta todos os epítetos desse tipo com que jornais, revistas e emissoras de rádio e TV rotularam matrimônios de celebridades e confrontos esportivos importantes? O mesmo se aplica a eleições, terremotos, inovações tecnológicas, crises econômicas, congestionamentos de trânsito, chuvas…
Quase todas as pessoas pensam, sentem ou intuem, como Luiz 15, que "après mois, le déluge". É por isso que o acontecimento mais recente e mais próximo parece ser o mais importante do mundo e da história.
Sem exageros
Do jornalista não é preciso esperar que tenha o olhar do historiador, que por treino e dever precisa encarar os acontecimentos com parcimônia em relação ao passado e ao futuro.
Nem os jornais devem proceder como o líder chinês que, quando lhe pediram em 1989 para avaliar o significado da Revolução Francesa para a Humanidade, respondeu ser ainda era cedo demais para opinar sobre fato tão recente.
Mas a sociedade seria mais bem servida se os meios de comunicação fossem capazes de coibir o exagero com que muitas vezes eles saúdam o inesperado sensacional como se fosse único e definitivo.
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Jornalista