Rupert Murdoch não sabe usar computadores. Aos 78 anos, o bilionário australo-americano do ramo da mídia é avesso ao e-mail, evita acessar a internet e enfrenta dificuldades até mesmo para usar o telefone celular. Ele não parece se enquadrar nas características que definem um messias da rede.
Mas, nas últimas semanas, Murdoch provocou alvoroço no mundo editorial quando proferiu algumas frases tão simples quanto revolucionárias, tais como: ‘O jornalismo de qualidade não é barato’. Isso levou à sua decisão de começar a cobrar, nos próximos meses, pelo acesso online aos seus muitos jornais espalhados pelo mundo. Se Murdoch conseguir o que quer, os dias da cultura gratuita da internet estarão contados.
Após os comentários de Murdoch, diretor executivo da News Corp. e proprietário de centenas de jornais e emissoras de televisão, não demorou para que as respostas começassem a chegar: editores de todo o mundo concordam com ele. Se alguém ainda duvidava do poder de Murdoch enquanto maior dos magnatas da mídia, essa foi a prova definitiva.
E justamente Murdoch, quem diria – o homem que, de acordo com as queixas do biógrafo Michael Wollf, nem mesmo sabe ‘o que é a internet’. Wollf acrescentou que esse homem experiente pode estar prestes a promover importantes mudanças na internet, mas apenas ‘se for capaz de encontrá-la’.
Sistema de cobrança
É verdade que o empresário conhece pouco a respeito da internet, e ninguém sabe até que ponto ele fala sério a respeito de sua ideia. Mas uma coisa é certa: um homem como Murdoch não vai ficar impassível enquanto perde dinheiro. Suas palavras parecem ter novamente ecoado na indústria.
Todos sonham em ganhar dinheiro com a internet, desde o Sunday Times até o Nordkurier, um jornal regional do norte da Alemanha. Até o momento, os editores têm adotado a prática de disponibilizar gratuitamente o conteúdo de suas publicações na internet, esperando ganhar dinheiro com a receita proveniente da publicidade. Eles perceberam que cobrar pelo acesso ao conteúdo é ruim para os negócios, ao menos enquanto os leitores forem capazes de encontrar aquilo que procuram em outro lugar. O New York Times tentou instituir um sistema de cobrança e, como muitos outros, desistiu da iniciativa.
Avaliação e confiança
Mas agora a receita proveniente da publicidade vive um agudo declínio – verificado igualmente na rede –, e com ela cai também um modelo de negócios, ou ao menos a esperança da criação de um tal modelo. Até o momento, esse conceito só foi bem-sucedido para poucos provedores de conteúdo.
A cultura gratuita da rede ‘reserva para o jornalismo um futuro tão promissor quanto aquele reservado por um penhasco íngreme para um bando de lemingues’, alerta Walter Isaacson, ex-diretor administrativo da Time. Mas qual seria a alternativa? Será que os leitores podem se acostumar novamente a pagar pelo acesso ao conteúdo? Ou será que cobrar pelo acesso é como cometer suicídio por causa do medo da morte? Parece que alguns executivos e editores estão preocupados com a questão de qual seria o tipo de conteúdo que eles poderiam oferecer aos leitores sem que esses pudessem encontrar o mesmo material disponível gratuitamente a apenas um clique de distância. A resposta para essa pergunta é: nenhum.
O conteúdo pago representa um teste para duas coisas: a avaliação que os leitores fazem do material que recebem e a confiança dos editores no conteúdo que publicam.
Aposta certa
Para Lionel Barber, editor executivo do Financial Times, confiar no próprio conteúdo não é problema. O jornal está ganhando dinheiro com a internet há sete anos. Quem quer que leia mais de dois artigos do FT num determinado mês em seu computador pessoal recebe automaticamente uma solicitação de assinatura. Usuários que desejem ler mais de dez artigos precisam desembolsar US$ 257 por uma assinatura anual online. Os assinantes da versão impressa recebem um desconto.
No passado, o limiar a partir do qual a assinatura online passava a ser exigida era de 30 artigos. Quando Barber reduziu este limiar para dez artigos, a circulação da edição impressa aumentou para 117 mil exemplares. Atualmente, 21% da renda do FT provêm da internet.
O modelo garante que todo o conteúdo do site do FT possa inicialmente ser acessado de forma gratuita, o que nos leva a proporção de cliques, conhecida como CTR (click through ratio). Os editores concluíram que uma pessoa que valoriza o jornal a ponto de lê-lo com maior frequência estaria mais propensa a pagar por ele. A aposta rendeu frutos. E apesar de o FT não ter passado incólume pela crise, o preço do espaço vendido à publicidade não foi afetado, porque o FT pode agora oferecer aos seus anunciantes não leitores que encontraram a página do jornal por um acaso do sistema de buscas, mas que o leem por convicção.
Ideia abandonada
No caso da News Corp., a empresa foi transformada em um laboratório, onde foi estabelecida uma equipe para investigar conceitos de cobrança e pagamento para todos os jornais do grupo. ‘Conteúdo pago não significa erguer uma cerca alta ao redor de cada página da rede e cobrar pela entrada’, diz Gordon McLeod, presidente da rede digital do Wall Street Journal, que faz parte do domínio de Murdoch há dois anos.
O jornal evitou o maior erro da internet. Desde 1997, a página do Wall Street Journal na rede tem cobrado por algumas coisas, em especial pelo conteúdo que diferencia o jornal: reportagens sobre finanças e tecnologia. Os assinantes têm acesso a todo o conteúdo pago. Os assinantes da versão online do jornal, que chegam a 1 milhão, são hoje responsáveis por uma renda anual de aproximadamente US$ 100 milhões.
Após 2007, Murdoch revelou que pensava em disponibilizar todo o conteúdo do Wall Street Journal na rede de forma gratuita. Mas ele foi esperto o bastante para abandonar a ideia. Em vez disso, o jornal também pretende em breve começar a cobrar pequenas taxas por artigo.
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Do Der Spiegel