Lançador do primeiro jornal brasileiro na internet, fundador e diretor do Centro Knight para Jornalismo nas Américas e professor na Universidade do Texas, Rosental Calmon Alves falou no 7º Congresso Brasileiro de Jornais sobre sua especialidade: o jornalismo digital.
Em uma prévia do que abordou na segunda-feira (18/8) no Congresso, Rosental fala do profundo e necessário processo de mudanças no jornalismo online brasileiro, da abertura de conteúdo e da adaptação das redações e dos repórteres a essa nova era multimídia do jornalismo.
***
Como você avalia a resposta do jornalismo brasileiro à revolução digital?
Rosental Calmon Alves – O jornalismo online brasileiro tem sido um dos mais dinâmicos e criativos do mundo e nos primeiros anos esteve à frente até de muitos países mais avançados pelo menos num aspecto fundamental: entender que não se tratava simplesmente publicar na web o mesmo conteúdo do papel, mas sim de adiantar hoje o conteúdo do jornal de amanhã. A cobertura em tempo real, com suas vantagens e desvantagens, tem sido uma característica do jornalismo online brasileiro, em contraste ao shovelware, ou seja, a simples transferência do conteúdo do impresso que caracterizou o jornalismo online americano, por exemplo, especialmente nos primeiros anos.
Os jornais estão conseguindo acompanhar as necessidades do leitor?
R.C.A. – Agora, na Web 2.0, tenho visto exemplos muito bons dos jornais brasileiros em acompanhar não só as necessidades, mas as expectativas dos seus leitores na internet, como a abertura de canais de participação e a adoção de vídeo e áudio. Ainda há muito o que fazer tanto na área da abertura ao conteúdo gerado pelos usuários quanto na questão da multimídia, pois estamos apenas no começo de um processo de mudanças longo e profundo que implicam na adoção de uma nova identidade do jornal, que passa de um produto estático, fechado, monomidia e periódico a um híbrido de átomos e bits, um serviço dinâmico, aberto, multimídia, constantemente atualizado e sempre disponível.
Como fica a formação do novo jornalista multimídia?
R.C.A. – Os jornais precisam começar com urgência a adoção de programas de treinamento para dar uma chance aos seus jornalistas para que se adaptem às novas demandas profissionais. As faculdades de jornalismo também precisam adaptar seus programas. Mas não se deve exagerar nas expectativas. Ninguém deve esperar superjornalistas capazes de ser bons em todas as modalidades multimídia. Que os repórteres também batam fotos ou gravem vídeo não quer dizer que vão acabar os fotógrafos ou que o jornal não vai precisar de videógrafos, por exemplo. Mas é inconcebível hoje em dia que um repórter de jornal não possa tirar do bolso uma camerazinha e tirar uma foto ou gravar uns minutos de vídeo para aproveitar uma oportunidade.
A abertura de conteúdo têm se mostrado uma tendência mundial. É certa a reprodução do conteúdo do jornal nos sites sem que as vendas do jornal impresso se prejudiquem?
R.C.A. – O modelo de negócio do jornal foi desenvolvido na era industrial, quando havia escassez de informação e de métodos de aquisição de informação. A era digital na qual estamos mergulhando se caracteriza por uma hiper-abundância de informação. A tentativa de tentar levar o modelo do papel para a internet tem-se provado tola praticamente em todas as partes do mundo. A única exceção tem sido no caso de nichos de informação especializada, que não se pode encontrar facilmente de outro lado. No mundo dos jornais, uma notável exceção é o Wall Street Journal, que tradicionalmente se especializou em notícias de economia e negócios. Ainda assim o novo dono do Journal, maior empresário de mídia do mundo, Rupert Murdoch, esteve a ponto de abrir seu conteúdo porque ele entende perfeitamente a lógica da ecologia midiática que se esta formando.
Quanto às vendas da edição impressa do jornal, elas vão se prejudicar de todas as formas. É só uma questão de tempo. Tratar de mantê-las intactas ou aumentá-las a médio e longo prazos parece o mesmo que tomar sopa com garfo. A questão fundamental aqui é saber se o jornal quer participar do negócio que o está atacando (informação digital, multimídia e instantânea) ou ficar agarrado ao negócio que está sendo atacado (a informação que sabíamos ontem, publicada hoje somente em papel).
A receita online cobre os custos atuais?
R.C.A. – Por enquanto, não. Mas esta não é a pergunta que se deve fazer. Nenhum negócio vale por seu desempenho passado ou nem mesmo por seu desempenho presente, mas sim pela perspectiva de desempenho futuro. Nos mercados onde a internet está afetando seriamente os jornais, a receita online não cobre o que os jornais estão perdendo em suas operações tradicionais, mas é preciso ver as tendências. As receitas online crescem em muitos jornais a 30% ou 40% ao ano, a partir de uma base pequena, enquanto as receitas da edição tradicionais caem sistematicamente a taxas pequenas, mas que estão acelerando. E só fazer as contas e as projeções.
A história está cheia de negócios e empresas míopes, preocupadas em manter o presente e menosprezar as ameaças de negócios menores, mas inovadores, que acabaram sendo destruidores e vitoriosos. Os jornais não têm porque seguir esse caminho. A internet é o passaporte dos jornais para o futuro. Ela já lhes deu algo que eles não podiam imaginar há poucos anos: um extraordinário aumento de seu alcance, sua audiência. Os jornais nunca foram tão lidos em sua história, graças a soma das audiências do impresso e de suas versões digitais. Falta agora traduzir esse monumental crescimento em receita.