A maneira mais fácil de constatar como os velhos conceitos de objetividade e isenção estão distantes da prática profissional jornalística talvez seja a observação crítica da divulgação das pesquisas de opinião. As pesquisas CNT/Sensus e Ibope que vieram a público na semana passada constituem apenas mais uma oportunidade de se confirmar esse fato.
Realizadas praticamente no mesmo período, os resultados das duas pesquisas foram divulgados com intervalo de apenas um dia. Apesar de algumas diferenças, o que ambas revelaram, do ponto de vista político, foram números recordes tanto de aprovação do governo como do desempenho pessoal do presidente Lula. É pedagógico observar as coberturas e análises que esses resultados receberam dos cinco jornais considerados de referência nacional – Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense.
O tema já foi levantado neste Observatório com a competência de sempre por Luiz Weis, no seu blog Verbo Solto ( ‘O que a mídia não viu na pesquisa sobre Lula‘, 1/4/2007). Mesmo assim quero tratar de outros aspectos da questão.
Técnica do título
No dia seguinte à divulgação da pesquisa CNI/Sensus, somente um desses jornais deu manchete de primeira página sobre o assunto e destacou a aprovação que a opinião pública confere ao presidente e ao seu governo. Os outros jornais deram, em páginas internas, destaque aos resultados relativos à violência e ao ‘apagão’ aéreo.
Os editoriais e colunistas que trataram do assunto foram unânimes em desqualificar os resultados conferindo ao presidente da República a qualidade de ‘teflon’ e, sobretudo, atribuindo aos ‘pobres’ – beneficiários das políticas sociais – à oposição ‘abúlica’ ou ‘dissolvida’ e à economia mundial a razão para os altos índices de aprovação revelados pela pesquisa.
A pesquisa do Ibope não alterou fundamentalmente os resultados revelados pela CNI/Sensus e recebeu menor cobertura. Ela destacou, sobretudo, a relação entre o ‘apagão’ aéreo e o governo. Dois jornais salientaram os índices de aprovação do presidente Lula que, em um deles, foi nomeado no título apenas como ‘petista’. Enquanto um jornal titulava sua matéria ‘Cai a aprovação do presidente’ o outro, sobre a mesma pesquisa, titulava ‘IBOPE aponta que 62% dos eleitores confiam no presidente’.
Aprovação política
Houve, no entanto, uma coincidência importante que não foi devidamente aproveitada pelos jornais na análise da pesquisa.
No dia seguinte à divulgação da pesquisa CNI/Sensus, tornou-se público um estudo do IPEA (‘Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente’) que mereceu manchete de primeira página de apenas um dos jornais. Esse estudo mostra a queda da desigualdade na distribuição de renda no país em ritmo inédito, equivalente ao aumento da desigualdade ocorrido nos anos 1960. Entre 2001 e 2005, 7,34 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza, uma redução percentual de 23% para 17,4% do conjunto da população.
Esses números, aliás, confirmam pesquisa do Instituto Ipsos, divulgada em 27 de março passado, revelando que de 2005 para 2006, pelos critérios de poder de compra e posse de bens, o número de brasileiros considerados de baixa renda diminuiu de 92,9 milhões para 84,8 milhões. Proporcionalmente à população inteira, a redução foi de 51% para 46%. O Ipsos atribui as mudanças ao aumento da massa salarial, ao controle da inflação e ao crescimento do crédito. A pobreza e a miséria diminuíram sobretudo no Nordeste, onde vive cerca de um quarto da população brasileira.
Aparentemente as políticas sociais dos últimos anos estão dando resultados positivos e as desigualdades sociais, marcas fundamentais de injustiça em nossa sociedade, embora lentamente, estão sendo diminuídas.
Não seria essa uma razão plausível que os jornais deveriam considerar – com isenção e objetivamente – para explicar os elevados índices de aprovação do governo e do presidente Lula?
O que se constata, no entanto, é um indisfarçável inconformismo dos principais jornais brasileiros – nos editoriais, nos principais colunistas e até mesmo na ‘contaminação’ da cobertura – em relação à aprovação política majoritária do presidente, confirmada nas pesquisas de opinião. Esse inconformismo vem também acompanhado de uma arrogante desqualificação daqueles que manifestam sua opinião de apoio ao presidente – e, indiretamente, ao próprio presidente – ao seu governo e aos programas destinados à redução da pobreza no país.
Quem perde
Que os principais jornais do país decidam ser editorialmente de oposição política a esse governo – ou a qualquer outro – é normal e democrático. Que essa opção chegue a contaminar a cobertura jornalística da política, não é normal nem é democrático.
Que a elite brasileira seja a fonte, a protagonista e a leitora desses jornais, não é novidade para quem observa a mídia. Que eles expressem a opinião dessa minoria, é normal e é democrático. No entanto, é no mínimo preconceituoso o desprezo reiterado que esses jornais demonstram por aqueles que – por quaisquer razões – não fizeram a mesma opção política que eles fizeram. Desqualificar sistematicamente a maioria da população não é normal nem é democrático.
No final das contas, confirma-se o que já foi identificado desde a crise política de 2005: um claro descolamento entre a opinião editorial e dos colunistas dos principais jornais – que, em alguns casos, ‘contamina’ a própria cobertura política – e a opinião da maioria da população brasileira.
Confirma-se também que objetividade e isenção são apenas utopias da conduta profissional jornalística que não se pratica.
A credibilidade do próprio jornalismo é a que mais perde com isso.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)