Cada macaco no seu galho, diz o dito popular. Se os donos de jornais e profissionais da imprensa ouvissem a voz do povo, certamente não estariam em pânico ou fazendo tantos malabarismos para driblar a queda na leitura dos jornais diários. O fenômeno, por sinal, não ocorre apenas no Brasil, mas também em países desenvolvidos, nos quais o índice de leitura de matutinos e vespertinos tem despencado a olhos vistos.
Algumas empresas de comunicação tentam de tudo para remediar a crise. A saída estratégica, em algumas delas, é adotar a mídia convergente. O termo parece inovador, pois implica na elaboração e publicação da notícia em veículos de naturezas diversas pelos mesmos profissionais. Em outras palavras, o repórter terá que se mostrar apto a escrever simultaneamente para jornal, internet, rádio e televisão. Teoricamente, a nova fórmula aumentaria a eficiência da notícia e economizaria na folha de pagamento. Além de representar aumento de mais-valia, o método não garante a esperada eficiência, pois o estresse e a falta de especialização podem comprometer o resultado final.
Temperos refinados
Diante da queda de leitura dos jornais diários, palpiteiros e especialistas apontam a internet como a grande culpada. No entanto, convém lembrar que a televisão não destruiu o rádio nem o cinema. Pelo contrário, fez com que ambos se adaptassem ao novo perfil do público, buscando linguagem própria e melhor compreensão de suas características. A internet, de fato, rouba parte dos leitores de jornais, mas embora seja admissível que no futuro as publicações impressas possam não ter as grandes tiragens do passado, certamente não será imitando a internet e a TV que encontraremos solução para a crise.
Em primeiro lugar, é preciso compreender a natureza dos veículos para melhor explorá-los na sua totalidade, sem abrir mão da qualidade e da eficiência da informação. O rádio, por exemplo, se diferencia da televisão por ser essencialmente sonoro. O áudio é a sua alma e em momento algum ele teria condições de imitar a televisão, cuja essência é a imagem. Ao contrário dela, que exige do público atenção visual e auditiva durante todo o tempo, o rádio pode ser ouvido nos mais diversos ambientes, inclusive no trabalho e no automóvel sem riscos de acidente.
A internet é um híbrido da comunicação. Ela usa o computador e associa a imagem da TV à linha telefônica, acrescentando a ambas o som do rádio e a palavra impressa na tela ou no papel da impressora. No entanto, os sites de notícia não registram nem documentam os fatos com profundidade e distanciamento. Portanto, ao contrário dos impressos, não são ainda testemunhas da história. Sua principal qualidade é a rapidez e sua característica marcante é a edição instantânea. Nesse caso, devemos novamente dar ouvidos à sabedoria popular, segundo a qual ‘quem tem pressa come cru’. Devido à sua natureza e morosidade, cabe justamente aos impressos ‘cozinhar’ a informação, documentando os fatos do dia-a-dia com temperos refinados, além de oferecer como sobremesa aos leitores a análise especializada da notícia.
Qualidade de ensino
Comparando a televisão com a internet, fica fácil perceber que a primeira é fria e vertical, enquanto a segunda é quente e horizontal. Se uma elege e consagra celebridades, a outra oferece a pessoas anônimas um espaço amplo e democrático para a livre expressão do pensamento. Uma vez na rede, qualquer um se sente celebridade, mesmo à revelia da indústria do entretenimento. Hoje, qualquer artista independente tem um site na internet e suas músicas ou videoclipes podem ser baixados por download. A internet também é um eficiente meio de comunicação direta entre pessoas e empresas, pois e-mails substituem cartas e memorandos, o que não implicou no fechamento dos correios. Tampouco as pessoas deixaram de telefonar. Pelo contrário, têm ao seu alcance o celular que, por sua vez, não eliminou a telefonia fixa. Portanto, por que os impressos deixariam de circular?
Além da suposta concorrência da internet, jornais e revistas perdem leitores devido à falta de credibilidade e à baixa qualidade da educação pública. Devemos levar em conta que esse tipo de veículo de comunicação sempre foi destinado a pessoas maduras e letradas que, por conseqüência, integram parcela mais crítica, exigente e bem informada da sociedade. Toda vez que um jornal ou revista omite ou manipula informações, corre o risco de perder leitores. Da mesma forma, a queda na qualidade de ensino – inclusive em países desenvolvidos – faz com que as novas gerações ignorem os impressos, preferindo a informação rápida, fragmentada e superficial dos meios eletrônicos.
Queda dos índices de leitura
Justamente na tentativa de vencer a concorrência da internet e também da televisão, jornais e revistas rendem-se à tentação de banalizar os fatos e transformar a notícia em mero espetáculo. A maior prova de que a imprensa nacional perdeu força e credibilidade foi o episódio do chamado mensalão. Apesar do carnaval de denúncias e do grande circo de atrações bizarras montado pela mídia, quase ninguém foi punido pela Justiça, embora ainda haja um processo em curso no Supremo Tribunal Federal. Aqueles que renunciaram ao mandato recuperaram o poder por meio das urnas, enquanto o presidente Lula foi reeleito sem grande dificuldade. Passado o episódio, caberia aos donos dos meios de comunicação analisar friamente onde foi que a imprensa errou e por que a população ignorou o seu trabalho.
Algo parecido ocorreu nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, onde boa parte da imprensa rendeu-se ao discurso patriótico do pós-11 de setembro, apoiando a invasão do Afeganistão e do Iraque sem alertar para as conseqüências da guerra. Basta dizer que o país de Saddam Hussein foi ocupado e o seu governo deposto sob a premissa da existência de armas químicas que nunca foram encontradas. O resultado da precipitação do noticiário foi novamente a queda dos índices de leitura. O New York Times anunciou recentemente sua opção pela internet, mas será que a parcela mais crítica da população norte-americana se contentará com tão pouco? Se a informação continuar rasa e sem credibilidade, o esforço da mudança poderá ser um fiasco.
Processo suicida
Hoje, no Brasil, algumas empresas de comunicação promovem mudanças internas, supervalorizando a internet e alegando que o jovem não lê jornais. Na verdade, a informação impressa sempre foi consumida por adultos da classe produtora e raramente atraiu a atenção da juventude. Nessa idade, os interesses são menos sérios e a atenção se volta mais para a diversão e o entretenimento. A questão é saber se os jovens freqüentam os sites de notícia ou se buscam na tela do computador apenas jogos e fofocas. Se a opção pela internet não agregar valores como ética e credibilidade, certamente resultará em novo fracasso, pois além de não atrair os jovens poderá acelerar a perda da fidelidade dos leitores mais velhos.
A empresa que edita uma revista ou jornal desacreditado terá grandes dificuldades para promover a simples migração de leitores para a internet. O que precisa mudar o mais rápido possível é a maneira como jornalistas e donos de jornais lidam com a notícia e se submetem aos interesses corporativos ou políticos dos anunciantes. O leitor contemporâneo tem acesso rápido e diversificado às notícias e isso certamente aumenta seus níveis de exigência e conhecimento. Quando um veículo de comunicação omite ou manipula informações repetidamente ele dá início a um processo suicida e, em pouco tempo, não haverá milagre ou estratégia capaz de salvá-lo.
******
Jornalista e escritor, Belo Horizonte, MG