‘Siga o dinheiro.’ Esse conselho, dado pelo informante ‘Deep Throat‘ ao repórter Bob
Woodward durante as reportagens investigativas do escândalo Watergate, precisa ser
seguido também pelos jornalistas da área de ciência. Inclusive quando se trata
de seguir quem não tem, mas busca dinheiro.
Na semana passada (03/10/2008), a edição online da revista britânica New
Scientist noticiou que enquanto o bilionário complexo LHC (Grande Colisor de Hádrons), na Suíça,
não consegue dar seus primeiros passos, experimentos com resultados
surpreendentes teriam sido obtidos no velho acelerador de partículas Tevatron, dos Estados Unidos.
Faltou, entre outros aspectos, observar não só que o paper com esses
resultados foi posto na internet rápido demais para os padrões acadêmicos, mas
também que uma boa notícia cai bem nesta hora para o projeto americano, que tem
sofrido muito com a falta de recursos.
Desconfiança
Ao começar a escrever este parágrafo, procurei novamente o link do
paper acima citado para usá-lo nesta postagem e percebi que ele já tem
uma segunda versão. O que é normal, pois sempre há correções a serem feitas. No
entanto, a alteração que salta aos olhos está na relação de autores: na primeira
versão, datada de 29/10/2008, eram 405 pesquisadores, ao passo que a segunda, de
hoje (08/10/2008), tem 367 signatários. Em outras palavras, 38 físicos deixaram
de endossar o relatório. Já no mesmo dia em que a New Scientist veiculava
a matéria elogiosa, a edição online da Nature informava que o experimento
havia sido acompanhado por cerca de 600 físicos, o que significa que
aproximadamente um terço deles já havia decidido não assinar a primeira versão
(‘Spectral
particles spook physicsts‘).
No Brasil, a notícia foi repercutida pela Folha de S.Paulo, que chamou
a atenção para o fato de que muitos dos participantes do experimento não o
endossaram. A reportagem ‘Partícula
`fantasma´ surge em colisão em acelerador nos EUA‘ (5/10/2008) também
entrevistou um especialista brasileiro que se mostrou com desconfiança em
relação ao resultado anunciado. Na verdade, não apareceu uma partícula estranha, mas muitas outras já
conhecidas (múons) sem que, no entanto, fosse identificada a fonte
delas.
Demissões
Uma hipótese provável para o fenômeno é a desintegração de um corpúsculo
desconhecido durante as colisões no Tevatron. No dia seguinte à publicação da
primeira versão, Ilias Cholis, do Centro de Cosmologia e Física de Partículas da
Universidade de Nova York, e mais três colaboradores disponibilizaram na rede paper sobre
outro estudo, no qual formulam hipóteses, baseadas na postulação de uma nova
partícula, para a chamada matéria escura do Universo.
No dia 31, em plena comemoração do Halloween, que dava um toque especial à
suposta ‘partícula-fantasma’, o físico italiano Tommaso Dorigo – que já
trabalhou no Tevatron e atualmente é pesquisador do Instituto Nacional de Física Nuclear, em Pádua
– criticou em seu blog A Quantum Diaries Survivor os
dois estudos. E também apontou a pressa nas publicações. Com isso, a história
começou a ferver na blogosfera.
O Tevatron pertence ao Fermilab (Laboratório-Acelerador Nacional
Fermi), localizado em Batavia, perto de Chicago. No início deste ano, o centro
começou a passar por dificuldades financeiras com o corte de US$ 52 milhões.
Junto com o Laboratório Nacional Argonne, também da região,
são empregados cerca de 5 mil pesquisadores, dos quais cerca de 200 já haviam
sido demitidos antes do Natal de 2007, segundo a reportagem ‘Argonne,
Fermilab lick wounds after fierce federal budget fight‘, do jornal
Chicago Tribune, em 20/01/2008.
Situação de extrema necessidade
Em julho, o Fermilab conseguiu evitar cerca de 80 demissões com o aporte
federal de US$ 62,5 milhões para todos os laboratórios do Departamento de
Energia, mas a continuidade de vários projetos continua com sérias restrições,
de acordo com o diário The New York Times (‘New
money prevents layoffs at Fermilab‘, 3/7/2008).
Sejam quais forem as reais circunstâncias do relatório pré-Halloween do
Tevatron e do estudo liderado por Cholis, não se pode descartar a possibilidade
de que eles venham a render importantes conclusões para a ciência. O problema,
aqui, diz respeito muito mais aos jornalistas do que aos cientistas. Era
importante ressaltar pelo menos a situação de extrema necessidade de recursos.
Em outras palavras, o conselho de ‘Deep Throat’, que vale para todas as áreas da
cobertura jornalística: ‘Follow the money.’ E, agora, na nova versão:
‘Follow who follows the money.’
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PS – Mais ou menos relacionado a esse tema, há um artigo deste blogueiro
de 2006: ‘A
clonagem das notícias de ciência‘, publicado na revista ComCiência, do Laboratório
de Estudos Avançados de Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de
Campinas.
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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente, editor do blog Laudas Críticas