O Globo de sexta-feira (11/2) deu manchete de primeira página para a festa de 31 anos do PT – a primeira, desde 2002, com Lula fora do governo. Destacou a decisão do partido de reabilitar o ex-ministro José Dirceu. No subtítulo, afirma que o ‘Ex-tesoureiro Delúbio Soares, pivô do mensalão, também quer voltar’, como se Dirceu tivesse saído do partido. Na quarta-feira (9), o Estado de S.Paulo tinha anunciado que ‘Anistia a Delúbio deixa Sílvio Pereira animado’. No sábado (12), voltou ao assunto com um texto-legenda intitulado ‘Festa para os réus no STF’, ao lado de reportagem sobre fundadores que saíram ou foram expulsos do PT.
Não deixa de ser curiosa essa ingerência dos jornais – só marginalmente eficaz − nos assuntos internos petistas. Se o PT manteve José Dirceu em seu Diretório Nacional, assim como o ex-presidente do partido José Genoíno, seria estranho que não desejasse para esses quadros um lugar politicamente confortável na sociedade. Sim, eles são réus no processo do mensalão, mas nada impede a agremiação de avaliar que não fizeram nada de reprovável e serão inocentados.
Dirceu volta e meia repete, como tantos acusados: ‘não há provas’, ou ‘não podem provar’. O STF poderá apená-lo, se o considerar culpado, mas, convenhamos, ele já foi punido com a saída do governo. Não deve ter achado engraçado a pessoa que o sucedeu na Casa Civil virar a sucessora de Lula. Não deve estar achando engraçado ver Antonio Palocci instalado na Casa Civil como superministro de Dilma Roussef. Palocci, como se sabe, foi isentado pelo STF de responsabilidade na torpe violação do sigilo do caseiro Francenildo Costa.
Delúbio e Sílvio Pereira
Os jornalistas que acompanharam aqueles acontecimentos sabem que o mensalão não foi uma ‘campanha infame’, como diz agora o ex-presidente Lula, ou ‘não houve de maneira nenhuma’, como disse a então candidata Dilma (jornais de 21/10/2009), mas não podem impor sua percepção, ou sua consciência, a um partido político.
A outra questão é a volta de Delúbio e Sílvio Pereira. Não há razão aceitável para que não ocorra. Delúbio foi usado como bode expiatório na crise. Silvinho assumiu a transgressão e ajudou a dar uma satisfação à opinião pública. Se deputados mensaleiros, como Professor Luizinho, foram absolvidos por seus pares, por que os ex-dirigentes petistas não seriam agora readmitidos pelos seus companheiros? Lembrar que, faz só dois anos, o deputado Edmar Moreira, o do castelo em Minas Gerais, foi eleito corregedor da Câmara, embora processado no STF por apropriação indébita de contribuições ao INSS.
É certo que Delúbio e Silvinho, cada um a seu modo, exorbitaram. Delúbio se encantou com os poderes mágicos de Marcos Valério, personagem inventado pelo PSDB mineiro e apresentado ao PT pelo deputado petista Virgílio Guimarães. Silvinho ficou deslumbrado com o poder e ganhou de um empresário que tinha negócios com o governo uma Land Rover.
São erros? Certo. Mas os dois já pagaram. Ou não?
‘Exército mercenário’
Um dos diagnósticos mais enxutos e certeiros do mensalão foi feito pelo então deputado Roberto Jefferson, veterano da ‘tropa de choque’ de Fernando Collor, presidente do PTB e vitimado, como Dirceu, pela cassação do mandato e a suspensão dos direitos políticos. Ele disse, em célebre entrevista a Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo (6/6/2005): ‘É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem é pago não pensa’.
Que parlamentares do próprio PT tenham recebido somas elevadas já vai por conta de um certo oba-oba que sempre se instala quando os padrões éticos são afrouxados e as benesses do poder sobem à cabeça dos menos sensatos, ou dos mais desmiolados.
Jefferson sintetizou a lógica do primeiro governo Lula em sua desajeitada estratégia para conseguir maioria no Congresso. Lula rejeitou, nos primeiros dois anos de governo, o consórcio com o tentacular partido. Não havia a sólida aliança com Sarney, Renan, Temer, esses pró-homens do PMDB. Funcionava uma espécie de varejão. Delúbio e Silvinho serviram ao esquema, mas não eram os chefes políticos, embora tivessem cargos importantes de direção no PT.
O que ficou faltando, no material sobre o aniversário petista, foram análises da trajetória do partido e de sua dinâmica interna quando se instala – e enfrenta os primeiros trancos – o governo de Dilma Rousseff. Os jornais foram pautados, pelo avesso, pelo próprio PT, que aproveitou a data para experimentar a versão de que o mensalão não existiu e para dar a Lula uma tribuna de reingresso no palco da política brasileira.