Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A politização supervalorizada

O professor Wanderley Guilherme dos Santos, veterano do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e pró-reitor da Universidade Cândido Mendes, escreveu no jornal Valor artigos que atraíram a atenção da revista CartaCapital, à qual ele deu entrevista publicada na edição com data de 15 de junho.

Há no raciocínio de Wanderley Guilherme farta matéria para reflexão e polêmica. O título da entrevista é ‘FHC apoiaria ‘golpe branco’’. Isso é o que os franceses chamam ‘processo das intenções’. Não foi exatamente o que disse Wanderley Guilherme. Foi um pouquinho diferente. Acontece toda hora em títulos feitos para ‘esquentar’ notícias. O que o professor disse foi:

‘Não acredito que eles [o PSDB] queiram promover o impedimento de Lula. Mas, se houver a possibilidade, não recuarão. Se a chance aparecer, os tucanos vão apoiar esse golpe branco, porque o governo está sendo bem-sucedido’.

É subjetivo. Irrespondível. Querer, não querem, mas, quem sabe?, se a chance aparecer, embarcam. Impossível ter certeza a priori de que sim ou de que não.

Uma catilinária contra o PSDB. Fala-se em oposição e não se menciona uma vez sequer o PFL, ou o PMDB não-governista, essas venerandas entidades políticas. O primeiro a falar em impeachment foi o prefeito do Rio, César Maia.

O conceito de golpe é igualmente questionável. Imagine-se que surjam denúncias gravíssimas. O que golpeia mais a democracia? Apurá-las ou não apurá-las? Existe democracia sem lei?

Deixem-se de lado, porém, as questões políticas.

A mídia não fabricou a crise

Em poucos lugares se fazem tantas críticas ao trabalho da imprensa quanto neste Observatório – que não nasceu para ser ‘bonzinho’, o que o tornaria imprestável.

Mas não é possível compartilhar a avaliação que Wanderley Guilherme dos Santos faz da atuação da mídia.

Em primeiro lugar, ele relativiza a importância do caso Roberto Jefferson.

Por mais que a gravação da fita dos Correios tenha sido um ato de bandidagem, que levou seus autores à detenção, a cena filmada foi grave. Um homem narra dentro de uma repartição pública, na capital federal, um esquema de desvio de dinheiro e embolsa um pacote de notas.

A mídia não fabricou essa cena. Não contratou atores para representá-la. A mídia não inventou o ‘mensalão’. A mesada foi denunciada por Miro Teixeira ao Jornal do Brasil, em setembro de 2004.

O que se critica é que não tenha sido de jornalistas a iniciativa de investigar as transações, das quais não faltaram relatos à boca pequena e a própria evidência da declaração do ex-ministro Miro Teixeira.

O que se critica no trabalho da Veja no caso dos Correios é que ela não teve trabalho. Recebeu pronta a denúncia. O que se critica na Folha de S.Paulo é que ela tenha ficado à disposição de Roberto Jefferson e não tenha publicado nas edições em que saíram as duas entrevistas dele toda a carga de crítica que o entrevistado merecia – e que faria as entrevistas perderem peso. Bastaria colocar, por exemplo, tudo o que O Globo e a TV Globo, sem inventar nada, disseram de Jefferson. O que se critica é que O Globo e a TV Globo tenham aliviado aqui e ali a carga contra o governo e centrado fogo em Jefferson.

Tudo isso – e sobretudo que a mídia, embora seja o mais importante agente do processo, entrou nele a reboque e permanece a reboque – foi dito semanalmente no Observatório da Imprensa online e na televisão, e diariamente no rádio.

Mas daí a uma visão conspirativa a distância é muito grande.

A mídia não inventou o presidente do PTB, não o fez aliado e parceiro do governo Lula. Por sinal, Roberto Jefferson não tem ‘boa mídia’, sobretudo desde que se destacou na tropa de choque que tentou, no Congresso, salvar Fernando Collor do impeachment.

A mídia não inventou PC Farias, não inventou Sérgio Motta.

Releitura questionável

O paralelo que Wanderley Guilherme faz com as crises de 1954, 1961 e 1964 não faz sentido. Não foi uma ‘imprensa porca’ que virtualmente depôs Vargas e lhe sugeriu como única resposta possível o suicídio, foi uma oposição golpista e foram vulnerabilidades em seu próprio governo. O mesmo, mutatis mutandis, se dirá da derrubada de Jango e da instauração da ditadura.

O quadro da imprensa entre a eleição e a posse de Juscelino Kubitschek era dividido – como o do Exército, por exemplo (um ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott, foi demitido e não deu posse a seu sucessor, e ainda demitiu o presidente da República em exercício).

Quanto a Jânio Quadros, a idéia de que a imprensa é que o levou à renúncia é uma novidade. Papel altamente relevante teve um discurso de Carlos Lacerda na televisão, mas ele já não era jornalista. Era governador da então Guanabara.

Também não se compreende que seja subestimado o papel da mídia nos países desenvolvidos. O que dizer, por exemplo, da Guerra do Vietnã, da renúncia de Nixon após Watergate?

Que tal pensar nos problemas que o governo Lula criou para si mesmo por erro de avaliação, erro de estratégia e erro de condução da coisa pública, quando ainda tinha a esmagadora simpatia da opinião pública e o beneplácito de uma oposição atordoada, à procura de rumo?

Na chave interpretativa de Wanderley Guilherme, que dá à mídia uma iniciativa política que ela nem saberia ter, a avaliação crítica da imprensa não avança.