Angel Expósito, 44 anos, formou-se em Ciências da Informação pela Universidade Complutense de Madri. Casado e pai de três filhos, foi colaborador de jornais como La Vanguardia, Negocio e Niños de Hoy. Com passagens pelo rádio (trabalhou na Cope, Onda Cero e Radio Nacional de España) e pela televisão (Antena 3, Telemadri e TVE), foi diretor da agência de notícias Europa Press por dez anos até que, em fevereiro de 2008, assumiu o cargo de diretor do diário ABC.
ABC foi fundado em Madri como semanário, em janeiro de 1903. Dois anos depois, já era publicado todos os dias. É o mais antigo jornal hoje em atividade na capital espanhola e o terceiro mais vendido do país, com uma tiragem de 270 mil exemplares diários, ficando atrás apenas de El País (370 mil) e El Mundo (300 mil).
A missão imediata de Angel Expósito é recuperar o segundo lugar que o ABC ocupou durante muitos anos no ranking de jornais na Espanha. Ele recebeu o repórter em seu escritório na ampla sede do grupo editorial Vocento, que publica ABC, situado num dos bairros mais elegantes de Madri.
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ABC é o jornal mais antigo de Madri até hoje em atividade. Sobreviveu a todos os capítulos da história espanhola. Por que sobreviveu e por que continua sendo cada vez mais lido?
Ángel Expósito – Ao contrário do que vem ocorrendo com a imprensa européia e com a imprensa do mundo todo, só em 2008 ABC cresceu cerca de 12% a 13%. Está sendo um fenômeno. Creio que ABC tem sobrevivido por mais de um século fundamentalmente porque se converteu em uma instituição para a história da Espanha. Eu creio que a imprensa de referência em todo o mundo – o que na universidade chamavam, de maneira pretensiosa, de imprensa de elite – se converte em instituição. Quando um jornal passa a essa categoria, não há regime político que o faça tombar, que acabe com ele. Na Espanha, há grandes instituições de imprensa, como La Vanguardia, El País (apesar de sua juventude histórica) e ABC. Eu acredito que seja assim no Brasil também, com O Globo ou qualquer outro grande meio de comunicação do país, que são mais instituições que meios de comunicação. Quando o jornal está acima da ideologia, do partido político, está acima do governo da vez. Esta é a chave para sobreviver.
Qual é o caminho para chegar a converter-se em uma instituição de imprensa?
Á.E. – ABC é uma marca. O caminho está em converter sua marca jornalística, sua marca empresarial, em algo muito mais importante que uma empresa. Isso se faz por meio da defesa de uma série de valores e de princípios que têm seus reflexos na sociedade. A intenção é que ABC tenha a maior penetração possível na sociedade espanhola e que essa sociedade se veja refletida em ABC. Quando se consegue tal coisa, podem passar regimes políticos, governos, partidos, que ABC estará por cima de tudo isso.
Como se caracteriza a imprensa espanhola onde se insere hoje a proposta jornalística de ABC? Como ABC se posiciona neste mercado?
Á.E. – Acredito que em todos os grandes países do mundo, entre os quais o Brasil, a Espanha e outros países da Europa ocidental e da América, existe a imprensa de referência, a imprensa especializada e a imprensa popular. De forma geral, na imprensa de referência a posição editorial é a que prima sempre. Quando vão aos Estados Unidos, as elites compram o The New York Times, The Washington Post. Depois, o Chicago Chronicle, o Miami Herald, Boston Globe, Los Angeles Times – a imprensa regional de elite. Se você vai à França, compra o Le Monde ou Le Fígaro. Depois, a imprensa regional, ou a especializada, ou a econômica, ou a esportiva. Na Espanha, essa grande imprensa de referência editorial é representada por El Pais, La Vanguardia e ABC. Já El Mundo é um jornal muito jovem, mas é um jornal de autor – um autor genial e brilhante, que é Pedro J. Ramírez –, mas o jornal não é uma instituição. Mas para ABC dá na mesma quem o dirija, não importa, porque a instituição está acima disso. Essa é a diferença entre a imprensa de autor, ou a popular, e imprensa de referência.
De ABC se diz que possui valores conservadores e monárquicos. Como você qualifica esse tipo de opinião sobre o jornal?
Á.E. – Tenho claríssimo quais são as linhas editoriais marcadas a fogo na casa: a defesa da Constituição e do Estado de Direito; uma posição ideológica de centro direita; um liberalismo conservador moderno, monarquia; e um jornal de clara tendência religiosa, sem ser confessional. Dessas quatro linhas, não se pode sair: liberalismo no plano econômico, centro-direita no plano ideológico, defesa da Constituição e do Estado de Direito.
Todos os jornais espanhóis têm uma linha ideológica muito clara. Às vezes não falta a eles uma perspectiva mais crítica em relação ao próprio trabalho?
Á.E. – No caso espanhol, isso é muito complicado porque temos um excesso de politização nacional. Damos importância excessiva à política espanhola. Na medida em que fizermos um jornalismo melhor, iremos nos afastando da política barata, e poderemos nos concentrar nos grandes temas: a segurança, a economia, o terrorismo, a defesa, a política exterior. Tudo isso visto sob uma grande perspectiva. É isso o que se busca em ABC, em La Vanguardia ou em El País. A política nacional merecerá uma cobertura com uma carga ideológica própria? Parece-me que sim. Disso não há como escapar. Mas me parece que na medida em que começarmos a cobrir mais os grandes temas, poderemos abrir um novo espaço.
Isso é difícil porque os jornais precisam acompanhar o hábito do leitor espanhol, que gosta dessa marca ideológica forte no seu jornalismo, não?
Á.E. – Sim. O que ocorre é que ao leitor do The New York Times e do The Washington Post interessa a política nacional do seu pais, mas lhe interessam muitas coisas mais.
O que interessa ao leitor espanhol, de forma geral?
Á.E. – Ao leitor, ouvinte ou telespectador, de forma geral, interessa informar-se e ratificar-se. Do ponto de vista da opinião, na Espanha, as pessoas lêem e escutam os meios de comunicação para auto-reafirmar-se. Não lêem ou escutam com espírito crítico, o que me parece mau. Tive um professor na faculdade que recomendava que lêssemos ou escutássemos os meios opostos à nossa ideologia. Creio que isso na Espanha não está muito disseminado e seria bom que estivesse.
Qual é o futuro do jornal impresso? Qual é o papel que a internet jogará no futuro do jornalismo?
Á.E. – Quando, no princípio do século 20, os irmãos Lumière inventaram o cinema, com a magia da sala escura, o som, a luz, o realismo, tudo levava a crer que seria o fim das artes cênicas, do teatro, do circo e até do teatro de marionetes. Um século depois, o que ocorre é que todo o mundo que gosta das artes cênicas, vai ao cinema. Mas nem todo o mundo que vai ao cinema, gosta das artes cênicas. Com a aparição da internet, dentro não de um século, mas de alguns anos – poucos – todo mundo que compra notícia em papel visitará a internet, mas nem todo mundo que visita internet comprará papel. Mas a notícia em papel continuará a existir. Em um papel novo, dimensionado. O que temos que pensar é que a marca ABC tem que seguir sendo marca jornalística, ideológico-jornalística, seja qual seja o suporte, recebida em papel, por correio eletrônico ou SMS, pelo telefone celular, em uma tela de computador ou em um papel impresso. A marca se dividirá e se reposicionará em função dos suportes, mas sempre seguirá existindo.
Já é possível detectar, de forma representativa, a migração de hábitos dos leitores de ABC rumo a outros suportes?
Á.E. – ABC ingressou tarde no jornalismo na internet. Isso, que em teoria é ruim, tem uma grande vantagem, que é a de já poder saber os erros cometidos pelos pioneiros. Ingressou tarde, mas agora já faz jornalismo na internet. Nossos leitores também são usuários de internet. Iremos conquistar esse mercado.
Qual é a sua avaliação sobre os jornais gratuitos?
Á.E. – Estão em baixa. Quando o momento é de crise, sua única fonte de financiamento, que é a publicidade, se reduz muito. Não há sentido em que na Espanha haja cinco ou seis jornais nacionais, dezenas de jornais regionais ou locais, e haja, só em Madri, cinco jornais econômicos, dois esportivos e quatro gratuitos. Isso é absurdo, é impossível. Portanto, dentro desse redimensionamento da imprensa, haverá o desaparecimento inevitável de muitos títulos.
Sobre a formação jornalística dos profissionais que trabalham hoje na imprensa espanhola, qual é a sua avaliação? É preciso melhorar, é preciso mudar a forma de ingresso na carreira?
Á.E. –Iñaqui Gabilondo, um grande jornalista espanhol, dizia que o grande inimigo do jornalismo é o desemprego. Porque precariza a relação trabalhista, a formação dos jornalistas, as condições de trabalho e a própria liberdade. Estamos, agora, numa situação de crise e desemprego terríveis. Portanto, não são bons tempos. Nem para os jornalistas, nem para os meios, nem para a formação dos jornalistas. Dito isso, creio que deveríamos encontrar a fórmula de rejuvenescer – não só em idade, mas também em mentalidade – os jornalistas nas redações. Isso se faz mudando a cultura de todos. Há que mudar a cultura das redações, para que possamos nos adaptar a novos suportes, para entender que o urgente vai ser chave, que a notícia terá que aparecer no SMS.
Quais são as qualidades básicas que um jornalista precisa ter?
Á.E. – Essas qualidades mínimas não se aprendem na faculdade. O espírito, a cultura, o nervo, o ofício. Essas quatro coisas não se aprende em nenhuma faculdade do mundo. Porque essa profissão não é uma ciência. É muito difícil aprender como buscar uma notícia em um manual.
Em sua carreira, você trabalhou no rádio, na televisão, em agência de notícias, deu aulas. O que é único da imprensa escrita?
Á.E. – De todos os meios, o meu predileto, em que eu quero trabalhar, quando for gente grande, é o rádio. Mas o meio que tem mais potência prescritiva, o que tem mais capacidade de criar opinião e difundir informação e influência é, sem nenhuma dúvida, a imprensa escrita. Mais do que a televisão. É verdade que a imagem gera um impacto, mas do ponto de vista de gerar consciência, de criar opinião e de marcar tendência, sem nenhum lugar à dúvida, é a imprensa escrita a mais importante. Portanto, a potência de fogo de um jornal como ABC é incomparavelmente maior que a de qualquer outro meio.
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Advogado e jornalista