O nível no Supremo nunca esteve tão baixo. O primeiro negro a ocupar uma vaga no Supremo. A possibilidade de impeachment. Destempero emocional. Barbosa é de origem humilde.
Essas e outras frases e conceitos rodaram pelos quatro cantos da mídia nacional nos últimos dias, em referência ao entrevero ocorrido no plenário do Supremo Tribunal Federal entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Lidas isoladamente, são o que são: informações, dados. Reproduzidas largamente e lidas à saciedade ganham um sentido inescapável, certamente corroborado pelo título da matéria da edição corrente da revista Veja (nº 2110, de 29/4/2009): ‘O dia de índio de Joaquim Barbosa’.
Curiosa esta sanha de levar às últimas consequências o debate sobre a fala do ministro Barbosa. Não pelo conteúdo em si, mas muito provavelmente por ter vindo de onde veio. Naquela mesma noite, à saída do ministro Marco Aurélio Mello do Supremo, perguntava a repórter da TV Globo: ‘E então, vai ter alguma punição [ao ministro Joaquim Barbosa]?’. É claro que a busca pela informação representada pelo cândido questionamento é uma premissa mais do que legítima da prática jornalística, mas o que inquieta é o fato de a mencionada sanha ser invariavelmente seletiva. Seleção que se dá por critérios, para dizer o mínimo, questionáveis.
Sem cobranças
Os jornalões foram muito rápidos, por exemplo, ao reproduzir em finais de agosto de 2008, a história do grampo do diálogo telefônico entre o ministro Mendes e o senador Demóstenes Torres, também publicados pela Veja. As edições de sábado, o dia posterior à chegada da semanal às bancas, já traziam em suas primeiras páginas a indignada denúncia do ‘Estado policial’ que vigia as autoridades da República. Nada se provou, mas o grau do ruído se mostrou mais importante do que a qualidade da música.
Três meses depois, a revista CartaCapital trouxe uma extensa reportagem assinada pelo jornalista Leandro Fortes, dando conta das importantes contribuições do ministro Mendes aos esforços de seu irmão Francisco para se manter à frente do poder municipal na localidade de Diamantino, no interior do Mato Grosso (talvez daí tenham surgido as ilações do ministro Barbosa). Nenhuma repercussão.
Mas o crème de la crème na fala biliar de Joaquim Barbosa foi: ‘Vossa Excelência não está na rua, vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade da Justiça’. Novamente, nossa imprensa foi célere ao procurar especialistas para discutir ‘a crise no Judiciário’ e a postura impulsiva dos ministros. Não foi capaz de discutir, contudo, as minúcias desta última fala, ou seja, por que Mendes é sistematicamente procurado para pontificar sobre tudo? Quais são as forças que se movem no interior de um tribunal que, antes de ser técnico, é político, dada a natureza das indicações de seus integrantes? E, por fim, retomando o início deste artigo, por que o ministro Barbosa precisa sempre se mostrar morigerado, detentor de notável saber e capacidade para estar onde está, enquanto dos demais nunca se lhes cobram tais atributos?
Para repensar
São vícios de uma sociedade que se imagina moderna, mas que diante de qualquer situação que escape à normalidade (onde todos devem saber muito bem os locais que ocupam) reage desorientada, dando vazão a indisfarçáveis conceitos que em nada guardam relação com esta suposta modernidade.
Uma sociedade na qual a mídia empobrece a cada dia, juntamente com o nível do debate e a capacidade de pensar com qualidade a respeito de si mesma. O ‘presta atenção’ do ministro do Supremo poderia servir muito bem para se repensar uma série de coisas, a começar pelo tipo de jornalismo que não estamos fazendo.
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Jornalista