Os sitios noticiosos deram no sábado (7/1) amplo destaque à notícia de que a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, não tem câncer de tireóide, como exames prévios sugeririam. Na quarta-feira (4), Kirchner teve sua glândula tireóide removida.
Boa notícia para a presidente e para os argentinos. Mas será que ela deveria contentar jornalistas especializados em Ciência e Saúde? A resposta é não.
Um bom repórter deveria lembrar que existe uma quantidade considerável de cirurgias de remoção de glândulas tireóide absolutamente desnecessárias, e que este, ao que parece, é um mal necessário, a julgar pelo estado da arte do diagnóstico e tratamento de câncer de tireóide.
O tratamento mais comum é a remoção cirúrgica da glândula tireóide. No entanto, cerca de 70% dos tumores removidos são benignos, o que faz com que muitos pacientes tenham retiradas desnecessariamente essas glândulas.
Neste sentido, ao que tudo indica, não houve erro diagnóstico ou manobra política no caso de Kirchner, mas limitações inerentes às técnicas de detecção de câncer de tireóide.
Exame de sangue
Ariel Palácios, correspondente da Globo News em Buenos Aires, preferiu embarcar na tese de manobras políticas. Faltou a ele conhecimento das peculiaridades do diagnóstico deste tipo de câncer. Viva o jornalismo científico!
A única maneira de se determinar se um nódulo da tireóide é benigno ou maligno, sem remover a glândula, é a realização de uma punção aspirativa por agulha fina no nódulo suspeito. No entanto, a biópsia nesse caso se assemelha a uma loteria. Se a agulha não alcançar o nódulo, o paciente pode ter um resultado falso-negativo. Se o alcançar, ainda pode ser que aspire somente tecidos sãos, uma vez que tecidos cancerosos são muito heterogêneos.
Não tem muito jeito. A medicina aqui se defronta com seus limites, que muitas vezes gosta de ocultar.
Até que sejam desenvolvidos biomarcadores que permitam detectar este tipo de câncer com um simples exame de sangue, muitas glândulas tireóides muito provavelmente ainda serão removidas desnecessariamente.
Vejamos se a grande imprensa dará crédito a este modesto, mas sério, blog, que neste momento é o primeiro a revelar o que muito provavelmente aconteceu no caso de Cristina Kirchner.
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[Cláudio Cordovil é jornalista, mestre e doutor em Comunicação e Cultura (UFRJ), pós-doutorado em Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Fiocruz)]