Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A revistalização da imprensa tradicional

Os jornais impressos diários sempre se caracterizaram pela apresentação de um objeto bem definido: a notícia. Em seus primórdios, a alma dos jornais já era a notícia. No Império Romano, no século que antecede a chegada de Cristo, o Acta Diurna (Notícias Diárias) trazia as informações sobre as campanhas romanas nas frentes de batalha.

Mas a definição de notícia é confusa e multifacetada. Com o passar dos anos, o conceito de notícia transformou-se e modificou-se. Em todos os casos e conceitos, uma característica sempre esteve presente: a urgência. Notícia refere-se a algo recente, fresco. Fatos ocorridos há dias, meses ou anos não são notícias, exceto se apresentarem alguma informação nova. De qualquer forma, retorna-se à urgência da informação.

Análise e crítica

A base do jornal impresso diário é o texto noticioso, que traz informações novas, recentes e relevantes. Com o advento da internet, o caráter de novidade das notícias nos jornais impressos perdeu seu valor. A notícia divulgada pelos veículos impressos deixou de ser inédita para o público que já tomou conhecimento da informação pela internet.

Pior que isso, tornou-se repetitiva. Paulo José Cunha, professor de jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), afirmou em sua coluna online (disponível aqui) que ler um jornal no Brasil, qualquer que seja, dos chamados grandes, equivale a ler todos. Olhando um pouco adiante das palavras de Cunha, ler um jornal no Brasil equivale a rever todas as informações que já foram vistas no Jornal Nacional e lidas nas diversas publicações jornalísticas disponíveis na internet.

Com isso, o jornalismo impresso perdeu a disputa de velocidade. Tornou-se lento perto de todos os outros veículos de comunicação. O atento leitor questionará que a situação não é nova, e que o rádio e a própria televisão, em seus jornais noturnos, antecipavam as notícias dos jornais impressos do dia seguinte.

Vale uma ressalva sobre as características destes dois meios: são extremamente dispersivos. As notícias por eles transmitidas são lineares e consumidas instantaneamente. Não há espaço para o público do rádio ou da televisão elaborar uma crítica sobre a mensagem recebida, pois logo estará recebendo outra mensagem. O receptor das mensagens é muito menos ativo em relação à mensagem do que o público em relação às mídias impressas.

A internet apresenta-se de forma diferente. O público é mais ativo e tem controle sobre as mensagens, pode escolhê-la e recebê-la na velocidade e tempo adequados. É possível ao público, na internet, elaborar uma análise e uma crítica sobre as informações recebidas (ou acessadas).

Circulação em queda

O excesso da internet é também seu calcanhar-de-aquiles. A quantidade de informações disponíveis na rede mundial de computadores é excessivamente grande, a ponto de afugentar o público, que se torna incapaz de selecionar e filtrar as informações com qualidade. Mais que isso, a análise e opinião na rede não possuem o mesmo grau de credibilidade que a análise e opinião realizadas nos veículos tradicionais, seja televisão, rádio e, especialmente, mídia impressa. Tanto que, os principais colunistas e formadores de opinião na rede são ‘filhos’ das mídias tradicionais e muitos mantêm suas colunas nos veículos de origem.

Esses colunistas, de grife, ganharam notoriedade por suas colunas em veículos tradicionais. Sua credibilidade foi construída nos veículos tradicionais e depois migraram para a comunicação mediada por computadores. Ressalva deve ser feita ao fato de que alguns colunistas surgiram diretamente na rede de comunicação digital, mas são exceções. E a realidade é que mesmo esses colunistas se perdem no mar aberto da internet, com informações falsas e colunistas tendenciosos.

O resultado do panorama apresentado é a crise no mercado dos veículos impressos diários tradicionais. É importante, neste momento, explicar quem são esses veículos em crise. Tornou-se lugar comum, nos debates sobre o mercado jornalístico, afirmar que os jornais impressos diários estão em crise. Porém, ao analisar os dados do setor, percebe-se que a crise não é de todo o setor jornalístico diário impresso, mas apenas dos veículos tradicionais (ver ‘As tendências do jornalismo impresso‘, neste Observatório).

Os grandes jornalões (Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Zero Hora, Correio Braziliense) estão em crise, com queda de circulação nos últimos anos. Em contrapartida, os chamados jornais populares estão em ascensão, com crescimento de sua circulação e o lançamento de novos títulos. Diante desta situação, duas perguntas são pertinentes: por que os jornais tradicionais estão em queda de circulação e os populares em crescimento? Qual medida pode ser adotada para reverter o panorama dos jornais tradicionais?

Jornalismo pop

O fenômeno do jornalismo popular não é novo, mas apenas nesta década tornou-se um mercado de expressão. E não apenas no Brasil. Por exemplo, o 20 Minutos é sucesso na França. E o nome do jornal explica uma das razões dos jornais populares. O título da publicação se refere ao tempo de deslocamento médio do cidadão dentro do metrô ou trem quando se dirige ao trabalho. E determinando que o jornal é de consumo rápido e imediato, durante o trajeto do transporte coletivo.

Outro fator que explica o sucesso dos populares é o seu preço. O setor caminha a passos largos para que os veículos passem a ser grátis ou quase grátis. Como exemplo, o Super Notícias, de Minas Gerais, tem preço de capa de 25 centavos e é atualmente o jornal mais vendido em banca no Brasil.

A esses dois argumentos, junta-se um terceiro, característico do jornal popular: pelo fato de ser vendido em banca, o veículo precisa se vender todos os dias. O que não ocorre com os jornais tradicionais, que possuem um grupo de assinantes que representam um público fiel e constante.

Pelo fato de precisar ser vendido todos os dias, o jornal popular precisa atrair o público a todo instante. Sem fazer juízo de valor, os jornais populares adotam como premissa a sensacionalização da informação, a espetacularização da notícia, como forma de atrair o público. As manchetes são produzidas de forma a marcar o sensacionalismo e a dupla interpretação.

Além disso, os jornais populares adotaram como estrutura de seus textos um objetivo claro: facilidade total de leitura, que se traduz em textos curtos e simples, antecipando a estruturação de notas curtas e matérias comprimidas. Vide o exemplo do 20 Minutos.

A adoção dessas medidas foi baseada na análise do público-alvo destes jornais. Preço barato, textos rápidos e sensacionalismo vêm atender à demanda das classes menos favorecidas. A população das classes D e E, que não tinham acesso à leitura de jornais, passam a poder comprar estes veículos.

Internet, o inimigo imbatível

A falta de hábito de leitura desse público também leva à simplificação do texto. É uma lógica simples. Ninguém se habitua a ler começando por Jean-Paul Sartre ou Franz Kafka. Para adquirir o hábito de leitura, o primeiro passo é ler o Pato Donald ou similares, mais fáceis e ilustrados. Antes que alguém me acusa de preconceituoso por afirmar que as classes menos favorecidas economicamente não têm hábito de leitura, sugiro buscar informações sobre hábitos de leitura das classes econômicas da população brasileira.

Evidenciado que o público dos jornais populares está em sua maioria nas classes C e D, torna-se claro também que estes veículos não roubaram o público dos jornais tradicionais. Para onde foi o público leitor dos jornais tradicionais, então? Para a internet. A grande maioria dos leitores dos jornais tradicionais também possui acesso à internet e, aos poucos, passou a utilizar a rede mundial de computadores como fonte de informação jornalística. A internet tornou-se um inimigo imbatível para o jornalismo impresso tradicional.

Se a internet é imbatível, qual a solução para os veículos tradicionais? Se os jornais impressos diários tradicionais tentarem competir, com as armas atuais, com a internet, serão derrotados. A solução é buscar outros inimigos. Mas quais inimigos? O público a ser alcançado pelos jornais impressos diários não é mais o público que está buscando a mera informação, a notícia. O novo público a ser alcançado é formado por pessoas que procuram interpretação das informações, análises profundas e opinião de qualidade.

Em teoria, este público é consumidor de outro tipo de meio de comunicação: as revistas. Porém, uma observação do mercado de revistas brasileiro, mostra uma queda da circulação de revistas nos últimos anos. Segundo dados da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), em 2000 a circulação de revistas no Brasil era de 447 milhões de exemplares, entre assinaturas e venda avulsa; em 2005, esse número passou para 392 milhões. Uma queda de 12%.

Revistas?

Dizer que a saída para um setor em crise é atacar outro setor em crise parece uma contradição. É preciso analisar claramente qual a realidade do mercado de revistas brasileiro atual. Uma leitura rápida dos três principais semanários informativos brasileiros (Veja, Época e IstoÉ) permite observar que estes veículos também migraram para um formato de textos curtos, grande exploração de fotos e mesmo um certo sensacionalismo.

Essa mudança começa com o lançamento da revista Época. Quando do seu nascimento, a revista trazia como característica ser um resumo dos acontecimentos da semana. Mas o leitor típico das revistas semanais não estaria interessado neste resumo. Ele já havia recebido essas informações pela televisão, pelos jornais diários e pela internet.

Aos poucos, outras revistas foram adotando modelos similares e hoje, ao folhear qualquer um dos semanários informativos encontramos páginas com frases da semana, notas curtas etc. As grandes reportagens perderam espaço e as colunas opinativas perderam sua profundidade e tornaram-se notas opinativas curtas. Na Veja, destacam-se dois colunistas de notas curtas rápidas. Max Gehringer, guru de auto-ajuda corporativa, que produz colunas com três ou quatro notas rápidas; e Diogo Mainardi, dublê de crítico político, que apresenta colunas com pressupostos e opinião sem apresentação de uma base de dados e argumentos sólidos, apenas baseado na sua opinião e visão de mundo.

É fácil comprovar esse posicionamento. As colunas de Mainardi apresentam em média 3.100 caracteres e contém ‘opiniões’ como ‘Ia ser drástico, mas ia ser legal’, presente na coluna da edição de 28/2/2007; ou, então, utilizar Homer e Bart Simpson como referência para afirmar que não existe lugar pior que o Brasil; e completar seu argumento com a utilização do antigo e já desprezado teste de Quociente de Inteligência (QI), presente na coluna de 14/2/2007.

Leitor cansado

Agora, em um exercício de abstração, qual é a reação do leitor de um semanário, ao ler uma coluna em que o autor afirma que gostaria de educar seus filhos como Homer Simpson? O leitor esperou a semana inteira para receber sua revista na expectativa de ter informações aprofundadas, material interpretativo e opiniões qualificadas e, no lugar disso, na semana em que São Paulo tem um buraco gigante aberto no centro da cidade, a principal revista semanal do país traz na capa um cachorro de salto e aborda a relação entre homens e cães. Com certeza, o leitor que esperava qualidade se sente cansado. Cansado de ser tratado como idiota – ou como Homer Simpson.

E o tratamento continua. A cada período mais curto, nossos semanários trazem como principais manchetes matérias de entretenimento ou auto-ajuda. Apenas para exemplificar, nas últimas semanas a revista Veja trouxe as seguintes manchetes de capa: ‘Enfim a ciência entendeu a mulher’ (7/3/2007), ‘A força da fé’ (7/2/2007), culminando com ‘Humanos e caninos: uma história de amor’ (17/1/2007).

Suas concorrentes não ficam atrás. A edição de 5/3/2007 da Época traz a manchete ‘Paz interior’ e, em 12/2/2007, a manchete de auto-ajuda corporativa ‘O novíssimo manual da carreira’. IstoÉ segue o mesmo rumo: por exemplo, na edição de 31/1/2007, que traz a manchete ‘A nova ciência da menopausa’.

Enfim, as revistas semanais de informação se tornaram publicações de auto-ajuda ou de informação superficial. E qual o problema com isso? Na verdade, em um primeiro momento as revistas acertam seu público em cheio, atendendo seus anseios. Como lidar com a carreira, com problemas de saúde, com material de entretenimento. Mas, em um segundo momento, este público percebe a superficialidade deste material. Não é uma matéria de revista que vai apontar todos os caminhos para o sucesso na carreira ou resolver os problemas provocados pela menopausa.

Com isso, aos poucos, essas revistas passam a perder credibilidade junto a seu público e apresentam queda de circulação.

Caminho das pedras

Fica claro que se o jornalismo impresso migrar para o modelo atual de jornalismo de revista brasileiro, entrará no mesmo buraco que as revistas estão. O caminho é adotar o modelo essencial de jornalismo de revista que prevê análise aprofundada, interpretação isenta e acurada e opinião de credibilidade.

Voltando a fazer um exercício de imaginação, o leitor, invadido pela avalanche de informações proporcionada pelos veículos de comunicação, vai encontrar nos jornais diários um filtro de qualidade. O qual, além de selecionar as informações, também vai abordá-las com propriedade, profundidade e contexto. Esse mesmo leitor vai encontrar opiniões qualificadas e baseadas em fatos e dados. E, com certeza, se sentirá satisfeito ao encontrar algo que o gratifique: informação, acompanhada de interpretação e opinião qualificada.

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Jornalista (UFPR) e professor da Escola Superior de Ensino Empresarial e Informática