O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a grande personagem do noticiário econômico na semana passada, com os trancos nos companheiros Evo Morales e Hugo Chávez, a escolha de Luciano Coutinho para a presidência do BNDES, a bronca no Ibama e o convite a Roberto Mangabeira Unger para uma Secretaria de Ações de Longo Prazo.
Segundo a imprensa argentina, o presidente brasileiro saiu vitorioso da reunião de presidentes sul-americanos na Ilha Margarita, na Venezuela, realizada na segunda- feira (16/4) e na terça. ‘Ficou tudo com Lula’, segundo o jornal Ambito Financiero.
Os jornais brasileiros, nesse caso, deixaram de lado a habitual cobertura tipo Copa do Mundo. Sem perder tempo enumerando os gols de cada lado, limitaram-se a contar como Lula e seus ministros brecaram as propostas de criação do Banco do Sul, da ‘Opep do Gás’ e da inclusão no comunicado final de uma advertência contra os programas de etanol.
A Folha de S. Paulo noticiou na quarta-feira (18/4) a ameaça do presidente boliviano, Evo Morales, de tomar instalações da Petrobras com indenização pela metade do valor. Não foi preciso muito trabalho para confirmar a história. Um dia depois de voltar a Brasília, Lula conversou durante quatro horas com o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli. Bastaria isso para evidenciar a preocupação do governo brasileiro, mas, no mesmo dia, várias autoridades falaram à imprensa sobre o assunto.
Projeto desfigurado
Não há informação suficiente, ainda, para se falar de uma virada na diplomacia regional do presidente Lula. Ele não poderia, afinal, ser muito mais conciliador na cúpula da Ilha Margarita. Ainda é preciso ver como o governo brasileiro reagirá a novas pressões de sócios do Mercosul ou como negociará as decisões do bloco nas próximas etapas da rodada global de comércio. Pauteiros e repórteres prevenidos ficarão atentos a sinais e mudança na orientação do Itamaraty.
Na Ilha Margarita, o governo brasileiro precisou desarmar a campanha contra o programa do etanol, sustentada ostensivamente pelos presidentes Hugo Chávez e Evo Morales, com apoio de Fidel Castro. Não poderia sequer admitir a discussão do assunto – questão interna do Brasil – numa reunião internacional, mas, como o desafio estava lançado, o presidente Lula e seus ministros tiveram de enfrentá-lo publicamente.
Estava em jogo, nesse caso, não apenas um programa oficial brasileiro, mas um dos xodós do presidente. Há uma evidente semelhança entre esse caso e o do Ibama. A enorme lentidão dos processos de licença ambiental pode comprometer boa parte dos projetos de infra-estrutura planejados para os próximos anos. O presidente Lula tem motivos para se preocupar: o governo ficará sem rumo, no segundo mandato, se não puder iniciar, neste e no próximo ano, as principais obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Todos os jornais deram destaque à reclamação de Lula e à resposta da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária, pelo menos publicamente, a uma aceleração dos processos. No domingo (22/4), o Estado de S.Paulo deu uma boa seqüência ao assunto, com duas páginas sobre a discussão ambiental e as conseqüências da lentidão do Ibama. Uma das matérias mostra como a bancada ruralista desfigurou o projeto enviado ao Congresso, pelo governo, para apressar as análises de impacto ambiental.
Quem não é?
A idéia de criação da Secretaria de Ações de Longo Prazo foi noticiada com algum destaque e foram publicados perfis do secretário escolhido por Lula, o professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger. As biografias poderiam ter sido mais detalhadas quanto às filiações políticas e às assessorias profissionais prestadas pelo professor. A idéia de subordinar à nova secretaria o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também foi noticiada sem muito empenho. Valeria a pena contar com algum detalhe a história do Ipea e provocar uma discussão pública sobre o assunto.
Os jornais ficaram devendo uma apresentação melhor do economista Luciano Coutinho, escolhido para a presidência do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social. Não basta classificá-lo como desenvolvimentista e mencionar suas críticas aos juros altos e ao dólar desvalorizado. Se desenvolvimentismo for isso, será preciso abrigar no mesmo balaio uma variedade enorme de pessoas.
Palavras como ‘desenvolvimentista’, ‘monetarista’ e ‘ortodoxo’ são muito pobres como classificações e dizem pouco sobre como um economista se comportaria, se tivesse de cuidar da política monetária, de administrar o Tesouro ou de formular uma estratégia de competitividade. Só pessoas de extrema singeleza mental são inteiramente previsíveis quando se trata dessas questões.
Antes de recorrer a carimbos desse tipo, é bom lembrar as palavras de Milton Friedman numa entrevista em 1968: ‘Num sentido, somos todos keynesianos, agora’. Ele se referia, naturalmente, à aparelhagem conceitual e analítica de uso comum dos economistas naquele momento (e ainda hoje), não ao conjunto das conclusões teóricas e das prescrições políticas assinadas por John Maynard Keynes. Nesta altura, quem não é, ‘num sentido’, monetarista?
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Jornalista