Nos filmes policiais o mordomo é sempre o principal suspeito do crime. No Brasil, a crise política também tem um culpado, só que não é o mordomo, mas a imprensa. Em recente declaração sobre o que considera um clima de hostilidade da mídia ao seu governo, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, comparou a imprensa brasileira com a venezuelana:
‘A propaganda contra Chávez era de tal magnitude, assim como as ofensas pessoais, que jamais imaginei que num País democrático, a imprensa pudesse agir da forma que agiu contra o presidente Chávez. Agora está ocorrendo no Brasil algo semelhante. As pessoas não se preocupam em saber se são verdadeiras ou não as denúncias. Primeiro se publica, sem nenhuma responsabilidade em apurar.’
Sem entrar no mérito da comparação com a imprensa do País vizinho, entendo que o presidente da República não é o primeiro nem será o último presidente a se queixar da imprensa. Isso vale também para as autoridades estaduais, municipais bem como para a classe política. É preciso entender que nem sempre os interesses dos governos e dos políticos são os mesmos da imprensa.
É da essência do jornalismo o compromisso inalienável com o público. A responsabilidade do jornalista é, antes de tudo, para com o público, pelo direito dele ser informado. Essa missão pública é a primeira da democracia. A dificuldade ou a falta de acesso às informações favorece o poder daqueles que detêm nas mãos a informação e a protegem pelo segredo. Como bem observa Daniel Cornu, em Jornalismo e Verdade, a informação nas mãos de poucos faz a cama onde o arbítrio e a ditadura se deitam.
Fiscais do patrimônio
Na sua atividade o jornalista tem o dever implacável de defender a Nação, apropriando-me das palavras de Ruy Barbosa, denunciando os que lhe malfazem, os que lhe ocultam, colhendo o que lhe sonegam ou roubam. Cabe à imprensa, ainda na defesa da Nação, perceber aqueles que lhe alvejam, nodoam e destroem. O seu compromisso é com a democracia.
Por isso, voltando às declarações do presidente da República, considero que a imprensa brasileira, de uma maneira geral, vem fazendo uma cobertura séria dos fatos. As notícias que saem nos jornais, rádios, revistas, tevê e internet têm como base as provas levantadas pelas CPIs, Polícia Federal, Ministério Público e Tribunal de Contas da União, entre outros. Os jornalistas não têm feito nada mais nem nada menos do que é sua obrigação básica: informar sobre o que mundo que nos cerca, contribuindo assim para que as pessoas tenham mais informações para entender o mundo que as cerca.
Vale lembrar ainda que a maioria das acusações feitas ao presidente da República partiu dos aliados do governo. O resultado é o que todos sabemos. Desde o começo da crise até agora, mais de 50 pessoas perderam cargos no governo, entre elas o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, que depois teve o mandato cassado. O deputado Roberto Jefferson, que denunciou o pagamento de mesada a deputados da base aliada e confessou ter recebido R$ 4 milhões em doação irregular ao PT e PTB, também foi cassado.
Com certeza há muito que melhorar e não tenho dúvidas de que é preciso se apurar, checar, investigar para depois publicar. Não estou aqui defendo uma mídia acima do bem e do mal. Ela deve ser criticada para evitar que os erros sejam corrigidos e não se repitam. A imprensa sabe bem que seu maior patrimônio é a credibilidade e que o grande fiscal desse patrimônio são milhões e milhões de cidadãos que ao longo da história vêm construindo a democracia neste país. O melhor remédio contra a síndrome do denuncismo é uma imprensa que não seja servil aos donos do poder.
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Jornalista e professor Departamento de Comunicação UFPE