Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A sobrevivência dos jornais impressos

O excelente texto de Eric Alterman na revista The New Yorker (edição de 31/3/2008) sobre a vida e a morte dos jornais impressos já foi comentado neste Observatório pelo sempre preciso Luiz Weis [ver ‘O relógio e o calendário‘]. Mas o artigo de Alterman comporta diversas leituras. Embora o seu foco seja, como corretamente apontou Weis, a disputa entre jornalismo impresso e jornalismo online nos Estados Unidos, ele pode provocar muitas considerações sobre o futuro provável dos jornais diários em qualquer lugar do mundo.

Não é pequeno o número de analistas da comunicação que vêm prevendo já há algum tempo o fim dos jornais como algo inevitável. Ninguém é capaz de dizer com certeza o que ocorrerá. Só o tempo dirá.

Mas um pouco de história e bom senso pode moderar um pouco o tom apocalíptico que advém de fatos incontestáveis, como os listados por Alterman em relação ao declínio constante da circulação, faturamento publicitário, grau de influência política dos jornais diários nos EUA e em praticamente todo o mundo. Os únicos índices que parecem subir nas estatísticas vitais do jornalismo impresso, infelizmente, é a idade média dos seus consumidores.

Fim das grandes tiragens

Tudo indica que são caminhos sem retorno. Os tempos áureos dos jornais não devem voltar e iludem-se os brasileiros que estão entusiasmados com o excelente ano de 2007, quando o boom imobiliário decorrente da grande fase da economia do país deu aos grandes veículos impressos lucros excepcionais.

O rádio viveu crise muito semelhante a esta quando surgiu a televisão e também não faltaram os que antecipassem a sua morte. O que se viu foi que o rádio nunca mais voltou a ser o centro das atenções do público, condição de que desfrutou nos anos 1920, 1930 e 1940, mas acabou por encontrar funções sociais relevantes, ainda que mais modestas, sobrevive com galhardia e é em geral um bom negócio.

Todos os meios de comunicação hegemônicos sofreram abalos quando um concorrente direto mais avançado tecnologicamente apareceu (o rádio e o cinema diante da televisão, a TV aberta diante da TV por cabo e por satélite, o disco de vinil diante do CD). Mas raros foram os que simplesmente desapareceram. A grande maioria encontrou fórmulas para se manter no mercado econômico, cultural e político.

O grande tema para o debate sobre o jornal impresso deve ser: qual é a sua fórmula para se manter vivo e relevante. Tentar manter as coisas como sempre foram é adotar a tática do avestruz e sua eficácia deve ser similar. No entanto, parece estar sendo esta a preferência de grande parte dos administradores de jornais impressos, pelo menos no Brasil e em grande parte também nos EUA.

Lá como aqui, a resposta à crise tem sido a de cortar custos (inclusive em prejuízo à qualidade do produto, o que é absolutamente irracional) e manter o padrão de conteúdo de 50 anos atrás, por mais absurdo que isso possa parecer. Os jornais continuam repetindo informações que quase todos os seus leitores já leram, viram ou ouviram na véspera no rádio, na TV ou na internet, como se elas fossem absolutas novidades.

E continuam se dirigindo a um público diversificado, composto por pessoas com interesses e visões de mundo conflitantes e que vêm tendo suas necessidades atendidas com muito mais eficiência pelos veículos que se dedicam cada um a um nicho específico – sejam revistas, emissoras de TV por cabo, rádios ou blogs.

Os jornais impressos precisam dar-se conta de que não há futuro em continuar se dirigindo a esse público geral. O tempo das grandes tiragens acabou. Ou elas continuarão em queda na tentativa de atingir a todos e sabe-se lá a quanto cairão ou elas podem estabilizar-se em torno de um público – menor que o atual – mas que pode se manter graças a uma audiência constante e fiel, satisfeita com os serviços que o veículo lhe presta.

Tratamento superficial

A melhor qualidade da informação e do texto é o grande diferencial competitivo (para usar o jargão mercadológico) que o jornal impresso tem em relação a todos os seus concorrentes. Nem internet, nem blog, nem rádio podem dar ao consumidor essa qualidade superior.

Alterman cita a cultura noticiosa de vários países da Europa, onde desde quase sempre prevaleceu a noção de ‘narrativas competitivas para comunidades políticas diferentes com jornais individuais refletindo as visões de cada facção’; e ele ainda provoca: ‘Pode não ser inteiramente por coincidência que essas nações desfrutam de um nível de engajamento político muito superior ao dos EUA’.

Pode ser este o caminho para o jornal diário em países como EUA e Brasil, que adotaram o modelo do jornalismo em busca da objetividade, capaz de atender aos interesses de toda a comunidade indistintamente. Esse conceito foi útil, mas seu tempo pode ter sido simplesmente superado e novos caminhos precisam ser encontrados.

Não que os jornais brasileiros devam virar jornais ‘de partido’, como Le Monde ou L´Humanité. Mas eles poderiam restringir radicalmente o escopo temático de sua cobertura informativa, focar em temas de interesse de grupos demográficos mais específicos e tratá-los de modo aprofundado para atender à demanda dessas ‘comunidades’.

Que sentido faz um grande jornal continuar a dedicar três ou quatro páginas diárias para tratar, por exemplo, de futebol de maneira superficial, atrasada e sem atrativos do ponto de vista do torcedor, que já foi atendido muito antes e muito melhor pelos blogs e programas de rádio e TV especializados no assunto?

Por que não usar essas páginas para ir mais fundo em assuntos que são muito mais bem tratados no papel, como pesquisa com células-tronco, aquecimento global, excesso de crédito na economia brasileira, reforma política, os quais também são tratados superficialmente hoje em dia pelos jornais, tão superficialmente quanto o futebol? Por que ser superficial e repetitivo em todos os temas em vez de se especializar em alguns que não têm bom tratamento nos meios adversários?

Estas são apenas algumas idéias rápidas provocadas pelo artigo da New Yorker.

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Jornalista