Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A tesourada e a cautela

A tesourada de R$ 69,9 bilhões nos gastos federais, anunciada pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, bateu com as previsões do mercado e deverá ser insuficiente para o resultado fiscal prometido para o ano. Quanto a isso concordaram todos os grandes jornais, nas grandes coberturas publicadas na edição de sábado (23/5). Com pequenas variações na apresentação, também coincidiram nos seguintes pontos:

1. O governo terá de anunciar uma redução maior da despesa, dentro de alguns meses, ou de forçar um aumento maior de tributos, se quiser obter R$ 66,3 bilhões de superávit primário, dinheiro destino ao pagamento de juros;

2. O corte foi menor que o defendido pelo ministro da Fazenda. Principalmente por isso ele decidiu faltar à entrevista coletiva marcada para o anúncio e deixou seu colega sozinho. Ele estava gripado, como informaram seus auxiliares, mas o motivo mais importante foi o outro;

3. Embora insuficiente para o ajuste programado para 2015, a restrição orçamentária será muito dura, politicamente custosa para a presidente Dilma Rousseff e executada com dificuldade.

Seria exagero descrever o anúncio como anticlímax, embora dois jornais tenham antecipado, na edição de sexta-feira (22), a dimensão do corte. A Folha de S.Paulo deu um número aproximado, R$ 69 bilhões, indicou a nova projeção oficial do produto interno bruto (PIB), uma contração de 1,2%. O Valor deu o número exato, R$ 69,9 bilhões.

O dado politicamente mais importante, nas duas matérias, era evidente: o valor seria menor que o defendido pelo ministro da Fazenda. Levy havia proposto R$ 78 bilhões, na semana anterior, e depois havia mencionado o intervalo de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o da Casa Civil, Aloízio Mercadante, havia defendido perante a presidente um redução mais branda.

O número afinal confirmado ficou realmente abaixo, mas muito próximo, do piso defendido pelo ministro da Fazenda. Também esse detalhe foi mencionado nas coberturas e a diferença foi qualificada como pouco relevante por fontes do mercado.

Palavra estranha

Qual a conclusão? Derrota e enfraquecimento do ministro da Fazenda, até aí apontado como principal fiador da presidente Dilma Rousseff no seu segundo mandato?

Nenhum grande jornal de São Paulo e do Rio de Janeiro, pelo menos na edição de sábado (23), respondeu com clareza a essa questão, embora todos tenham explorado a ausência do ministro. O Estado de S.Paulo destacou esse ponto na manchete: “Sem Levy, governo anuncia corte de R$ 69,9 bilhões”. O Globo e a Folha de S.Paulo deram o detalhe também na primeira página, mas em notícias de uma coluna próximas da manchete.

Nas páginas internas, todos trataram do assunto e nenhum se limitou à informação oficial sobre a gripe. Mas nenhum avançou em especulações sobre as posições de poder no Executivo. Até poderiam ter lembrado a proximidade entre a presidente Dilma Rousseff e Nelson Barbosa, no mandato anterior, mas esse ponto, isoladamente, pouco acrescentaria à história. No domingo, sairiam mais detalhes – importantes para esclarecer os últimos fatos – sobre os desentendimentos entre os ministros da Fazenda e do Planejamento.

Na edição de sábado, os jornais parecem ter coincidido numa atitude cautelosa. Chamaram a atenção para a ausência de Levy, lembraram sua posição nas discussões sobre os cortes e deram como certa sua insatisfação, mas ficaram por aí.

Garantida essa informação, gastaram a maior parte do espaço detalhando os cortes, indicando os ministérios mais afetados, apontando as medidas ainda na dependência do Congresso e mostrando, com ajuda de especialistas, a insuficiência dos cortes e as dificuldades de alcançar a meta fiscal deste ano.

A cautela, nesse caso, parece mais uma virtude que um defeito na cobertura. Afinal, seria possível cavar mais detalhes políticos nos dias seguintes. Além disso, a avaliação mais importante das condições políticas do ministério, para efeitos práticos, caberia ao mercado.

Na semana seguinte, boa parte da pauta se deslocaria para o acompanhamento, no Congresso, da tramitação do pacote de ajuste enviado pelo Executivo. A presidente e os ministros podem decidir cortes orçamentários e aumentos de alguns tributos, mas boa parte do ajuste – como as mudanças no acesso a benefícios previdenciários e trabalhistas e a revisão das desonerações – depende dos parlamentares.

Os problemas do governo, nesse front, incluem os interesses políticos dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, os partidos de oposição e até uma parte dos petistas e dos aliados (uma palavra, neste caso, um tanto estranha).

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Rolf Kuntz é jornalista