O vazamento de informações sigilosas de correspondências diplomáticas dos Estados Unidos, por intermédio da organização não governamental Wikileaks, está produzindo controvérsias pelo mundo afora sobre limites no direito à informação.
Desde os tempos da Guerra Fria, os jornalistas se habituaram à idéia de que existem informações reservadas, de interesse da segurança do Estado, que não podem ser publicadas imediatamente. Em períodos nos quais a liberdade de imprensa ficou restrita no Brasil, um dos mais gostosos exercícios do jornalismo era o de revelar certos ‘segredos’ – como, por exemplo, tentativas de maquilar índices econômicos ou manipulação de dados sobre tragédias, como aconteceu na explosão de um duto de gasolina na Vila Socó, em Cubatão, no dia 24 de fevereiro de 1984.
Mas em tempos de plena liberdade, qual deveria ser o critério da imprensa?
Existem organizações, como este Observatório e as ONGs Artigo 19, Intervozes e FNDC, que lutam pelo direito de acesso a toda informação de interesse público. No entanto, ocorrem circunstâncias em que o vazamento de uma informação pode colocar em risco projetos essenciais para o país.
Serviço ao marketing
Imagine-se, por exemplo, o que teria acontecido no mercado de petróleo se os dados sigilosos sobre prospecções na camada do pré-sal tivessem sido publicados antes da hora.
Como deve agir o jornalista em cada caso? Ou como se certificar de que o vazamento não é provocado para favorecer uma das partes envolvidas em determinadas negociações?
Uma coisa é a importância de trazer a público denúncias sobre torturas e assassinatos no Iraque, como ocorreu na estréia do Wikileaks. Outra coisa é dar curso a intrigas diplomáticas. E uma terceira seria revelar segredos de Estado.
No caso das comunicações divulgadas mais recentemente pelo Wikileaks, pode-se considerar que, até aqui, o máximo de danos que podem produzir é algum constrangimento em certos personagens apanhados em inconfidências.
Os cidadãos que acompanham com algum interesse o noticiário sobre as relações internacionais não se surpreendem com o significado da maioria dos comentários que têm vindo a público. Portanto, a encenação de que tais conteúdos representam revelações bombásticas serve mais ao marketing de alguns jornais do que propriamente ao interesse dos leitores.
Intrigas e conspirações
Um exemplo dessa ‘forçada de barra’ pôde ser visto na manhã de segunda-feira (29/11) na edição online da Folha de S.Paulo, que anunciava: ‘Leia íntegra dos arquivos do Wikileaks obtidos pela Folha‘ – sugerindo uma exclusividade que não existia.
Qualquer pessoa poderia, por sua conta, acessar as mesmas informações na internet, em inglês, segundo alertava a rede de emails Vila.Vudu, uma das mais virulentas iniciativas de críticas à imprensa do país.
A rigor, o que tem vazado recentemente é pouco mais do que intrigas de diplomatas. Intriga é o esporte predileto do setor, embora a partir dessas comunicações se possa avaliar com mais detalhes certos interesses em jogo no cenário internacional, como as controversas relações no mundo árabe.
Alguns desses comentários podem até mesmo alimentar certas teorias conspiratórias, mas raramente estarão disponíveis grandes revelações. Mesmo porque a fonte desses conteúdos não estava resguardada sob sistemas sofisticados de segurança.
Há, claramente, certo exagero na tentativa de dar mais valor ao trabalho do Wikileaks. Por exemplo: anunciar na primeira página, como faz a Folha na edição de terça-feira (30/11), que, para alguns diplomatas dos Estados Unidos, o Itamaraty é ‘antiamericano’, não representa novidade nenhuma. Essa afirmação foi feita publicamente por um representante da diplomacia brasileira, em evento promovido pela revista CartaCapital, no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, há pelo menos cinco anos. Desde que o Brasil tentou reduzir a dependência com os Estados Unidos, rejeitando a Alca para apoiar o Mercosul, a diplomacia americana tem essa opinião.
A questão de fundo, que está apenas veladamente em discussão nos jornais, é o limite entre a liberdade e as responsabilidades da imprensa. Divulgar o que pensam diplomatas ou governantes sobre a figura de Silvio Berlusconi é apenas alimentar o folclore político internacional. Mas revelar segredos que podem colocar em risco a segurança de populações inteiras seria usar a liberdade de maneira irresponsável.
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