Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

A volta do abominável ‘A Pedidos’

O expediente não é novo, trata-se da versão modernizada do velho
panfletarismo que sempre vigorou em nossa imprensa. O jornal desfechava um
ataque e no dia seguinte o reproduzia em outros jornais num canto identificado
como ‘A Pedidos’. Criava-se uma bola de neve difícil de enfrentar.


A última aparição de um pool de escândalos data de 1997-98, durante a
primeira temporada dos ditos-cujos, e foi introduzida junto com o ‘jornalismo
fiteiro’. O jornal ‘eleito’ pelos denunciadores secretos recebia o material e
antes de publicar no domingo o redistribuía aos demais, inclusive aos
concorrentes. Ninguém se sentia humilhado pelo furo do
outro, todos felizes com o escarcéu coletivo. Depois cada um desenvolvia o seu
ângulo particular. Trambique pactuado.


A atual temporada começou com uma tabelinha entre Veja e o
Fantástico para divulgar o ‘vídeo da propina’ feito por arapongas
oficiosos. Mas a Folha de S.Paulo recusou-se a compartilhar as
entrevistas de Roberto Jefferson – estava certa, eram
exclusivas
. A repercussão nos dias seguintes seria livre.


No último fim de semana (8-9/10), o pool foi novamente acionado com
duas denúncias simultâneas, ambas na área familiar, departamento de nepotismo: o
lobismo envolvendo o irmão do presidente de República, Genival Inácio da Silva,
e o apadrinhamento da candidatura de Zeca Dirceu pela máquina comandada por seu
pai, o ex-ministro-chefe da Casa Civil.


A matéria sobre as andanças palacianas de Vavá Inácio foi publicada pela
Veja no sábado e amplamente difundida pelos jornalões de domingo
(fechados no sábado pela manhã). O Estado de S.Paulo deu uma chamada no
alto da primeira página e grande matéria em página interna (A 9). Não foi coisa
de última hora, tudo indica que a matéria tenha sido ‘soprada’ com a necessária
antecedência, na sexta-feira.


Pacto traído


A Folha publicou sua contribuição à denúncia da Veja em página
interna (A 11) com bastante visibilidade. Nos dois jornalões paulistas a
acusação contra Vavá veio devidamente amparada por declarações de líderes da
oposição. Supostamente ‘soprada’ na sexta-feira.


Sem este pool, a matéria de Veja contra Vavá não conseguiria o
destaque que ganhou na mídia, na segunda e terça-feira (foi lançada com apenas
um rodapé na capa e quatro páginas no miolo). O mesmo aconteceu em maio: se o
Fantástico não mostrasse simultaneamente aquela inesquecível imagem de
Mauricio Marinho embolsando os 3 mil reais, a repercussão da denúncia da
Veja seria bem menor (convém lembrar: a matéria principal daquela edição
da revista era a doença do Raul Cortez).


O escândalo da Folha sobre a ajuda federal à candidatura de Zeca
Dirceu à prefeitura de Cruzeiro d’Oeste (Paraná) foi fraternalmente
compartilhada pelo concorrente, o Estadão (pág. A-9), no mesmo domingo. O
Globo aparentemente não participou desta ação entre amigos (os casos não
apareceram na edição que circula em São Paulo).


Perguntará o leitor: por que classificar este tipo de confraria como
abominável?


O pool compromete os vínculos de confiança entre o leitor e o seu
veículo. O leitor supõe que todas as matérias do seu jornal foram devidamente
apuradas em sua redação. A republicação de informações alheias é uma traição ao
pacto veículo-leitor.


O pool trava a competição e a diversidade informativa, bases do
sistema jornalístico democrático. O banquete informativo da sociedade pluralista
pressupõe um cardápio variado e, de preferência, conflitante. Caso contrário,
estaremos dando razão àqueles que acusam a imprensa nesta crise de
transformar-se num partido político.

O partido do "A Pedidos".