Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A volta do FMI

O Fundo Monetário Internacional, que andou meio desmoralizado e fora do noticiário nos últimos quatro anos, volta a ser manchete na imprensa brasileira. É tema principal nas edições de quinta-feira (22/4): primeira página do Estado de S.Paulo, abertura no caderno ‘Dinheiro’ da Folha e reportagem no caderno de economia do Globo.


A sigla FMI, que costumava assombrar os brasileiros, sempre associada a avisos sobre o risco da inflação e do endividamento externo, agora chega vinculada a uma advertência oposta: o Brasil estaria ‘correndo o risco’ de crescer demais neste ano e no ano que vem. As reportagens reproduzem trechos de um relatório sobre a recuperação da economia global, após a crise financeira que eclodiu em setembro de 2008.


Os jornais dão conta de que alguns poucos países, como o Brasil, estão crescendo de forma tão acelerada que podem chegar rapidamente ao limite de sua capacidade produtiva. Esse fenômeno poderia, segundo os analistas citados, provocar um aumento da inflação e a subida dos juros e pressionar a dívida pública para cima.


Velho vício


Se o leitor atento puxar pela memória, vai recordar que o FMI costumava interferir na economia brasileira com o velho receituário que se resumia em aumentar o superávit primário e conter os gastos públicos. Os embates na imprensa reproduziam invariavelmente a contradição entre os conselhos do Fundo e a necessidade de maiores investimentos do governo para superar as dificuldades da população.


O FMI foi, durante muitos anos, o demônio a ser exorcizado por certos setores da política nacional. ‘Fora FMI’ foram as palavras de ordem que atravessaram as últimas décadas do século passado.


O relatório do Fundo que vem comentado nas edições de quinta-feira dos jornais brasileiros mostra uma reviravolta: o FMI agora elogia os fundamentos das economias da América Latina, com destaque para o Brasil e exceções para Venezuela e Argentina, e alerta para os riscos dos países desenvolvidos.


Mas o velho FMI não perde o vício: admite que a recuperação global é melhor do que o esperado, mas recomenda pisar no freio e retirar os incentivos ao consumo.


Boa avaliação


A imprensa não costuma contemplar a História nos seus registros diários. Evidentemente, um repórter brasileiro enviado a um evento em Washington tem que lidar com tantas informações, em tão pouco tempo, que seria demais esperar que ainda fizesse referências a antecedentes históricos do acontecimento que vai cobrir.


Por outro lado, os jornais que não têm correspondentes ou não podem arcar com despesas de enviados especiais ficam na dependência do material que chegar das agências internacionais.


Mas nada impede que se faça um planejamento desse tipo de cobertura, para aprofundar o contexto das informações anunciadas, porque sempre se sabe que da reunião do FMI há de sair um relatório.


Então, o que acontece com muitos leitores? Eles são informados na quinta-feira (22) de que o FMI está preocupado com o superaquecimento da economia de alguns países como o Brasil. Os analistas recomendam que o governo brasileiro reduza ou elimine os incentivos que foram criados recentemente, como instrumento contra a recessão. Ora, os incentivos mantiveram a economia andando e permitiram a milhões de cidadãos o acesso a bens de consumo antes inalcançáveis. Essa sensação de bem estar está na origem da altíssima popularidade do presidente da República e favorece, por tabela, a boa avaliação de muitos governadores.


Longe da realidade


O Brasil acelerou seu crescimento nos últimos anos justamente por utilizar uma receita contrária às prescrições do FMI. Foram as políticas de transferência direta de renda, num cenário de economia estabilizada, que permitiram sacar da miséria dezenas de milhões de brasileiros. Uma nova classe média surgiu dos investimentos públicos e é esse novo contingente de cidadãos que aquece a economia.


Quando chega a vez dos ex-pobres entrarem na festa, quem vai dizer a eles que devem parar de consumir? Os candidatos à sucessão presidencial, em plena campanha?


A imprensa reproduz direitinho o pensamento do FMI, mas esquece de dizer ao leitor o que é que esse relatório tem a ver com vida real.