Ponto para O Globo: conseguiu envolver o Banco Mundial (Bird) no debate sobre o imposto do cheque. Dois dias depois de aprovada na Câmara dos Deputados a Contribuição Social sobre a Saúde (CSS), o jornal saiu com a manchete: ‘Saúde no Brasil desperdiça e gasta mal, diz Banco Mundial’. Com um pouco mais de atenção e um pouco menos de burocracia na cobertura, fica mais fácil, como nesse caso, juntar as pontas do noticiário. Um relatório crítico sobre o sistema hospitalar brasileiro, divulgado na quinta-feira (12/6), cabia muito bem no meio do noticiário sobre a CSS. Nenhum outro jornal aproveitou a oportunidade.
Juntar as pontas e pôr a memória para funcionar têm sido exercícios muito raros no jornalismo nacional. O caso da CSS é uma boa ilustração. Os jornais cobriram extensamente a votação na Câmara, deram opiniões e análises de várias fontes e resumiram os pontos principais do texto aprovado. Nesse texto, foi restabelecida a fórmula original de atualização dos gastos federais com a saúde: correção com base na variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Ao novo montante o governo deve acrescentar a receita da CSS.
Informação completa, portanto? Nem de longe. Com o retorno da fórmula original (ainda em vigor neste ano), eliminou-se a proposta incluída inicialmente no projeto de regulamentação da Emenda Constitucional nº 29. Mas o governo havia pedido ao Congresso uma fonte de financiamento por causa dessa proposta. Haveria, segundo se argumentava, um aumento de gasto. Mantido o ajuste orçamentário pela variação nominal do PIB, o argumento perdia sentido. Nesse caso, para que a CSS?
Nenhum jornal chamou a atenção para esse detalhe na cobertura imediata. Se o projeto passar no Senado, o governo ganhará de presente cerca de 11 bilhões de reais anuais e terá conseguido ressuscitar a CPMF. Se todo esse dinheiro for para a saúde, uma quantia equivalente ficará livre, no resto do orçamento, para outros gastos.
Informação despercebida
A cobertura tende a concentrar-se, na maior parte dos casos, nos detalhes mais visíveis e na repetição. Na segunda semana de junho houve mais uma enxurrada de números da inflação. Jornais, tevês e rádios puseram o foco, de novo, nos aumentos de preços da comida. Que a inflação dos alimentos seja a mais importante não se discute. Mas seria preciso cuidar de outros detalhes: o repasse de custos vem-se tornando mais fácil e mais freqüente e isso explica, em boa parte, a elevação dos preços ao consumidor.
Além disso, as pressões atingem um número crescente de produtos e a inflação se espalha também pelos itens não comerciáveis, isto é, menos influenciados diretamente pelos preços do exterior (como os serviços pessoais). Há fortes sintomas de metástase da inflação e isso é muito mais importante, como indicação de tendência, do que o encarecimento da comida. Os jornais têm tocado nesses detalhes, mas valeria a pena um esforço maior.
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na quinta-feira (12), chamou a atenção para esses e outros pontos menos discutidos. De certa forma, a ata forneceu à imprensa uma boa pauta, mas pouca gente parece haver tido o trabalho de uma leitura cuidadosa. A contestação dos números da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre o nível de uso da capacidade instalada, por exemplo, passou despercebida, ou quase, na preparação do extenso material publicado no dia seguinte. Além disso, boa parte da ata contém refutações de teses defendidas tanto pelos industriais quanto pelo ministro da Fazenda.
Juntar essas pontas teria tornado a cobertura mais interessante, mais precisa e com certeza muito menos burocrática.
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Jornalista