A pauta era mesmo óbvia: apareceu a primeira planilha, e os jornais começam a calcular quanto tem custado aos cidadãos paulistanos o esquema de corrupção instalado na prefeitura há pelo menos uma década.
Na sexta-feira (6/12), a imprensa divulga os valores registrados numa lista que foi apreendida com um dos auditores fiscais acusados de participar do sistema de redução de tributos em troca de propinas. Assim, o zelo de um servidor corrupto na defesa de seus ganhos ajuda a esclarecer o caso. O documento revela que, em apenas 16 meses, os cofres do município perderam R$ 59 milhões.
Até mesmo a Folha de S. Paulo, que se dedicava a vincular secretários do atual governo municipal à chamada máfia dos fiscais, rende-se à evidência dos números e publica os dados da tal planilha.
E o que dizem esses números? Eles contam que, apenas numa fração do esquema, que pode ter durado mais de dez anos, a receita da prefeitura de São Paulo foi sangrada em R$ 59 milhões. Os auditores calculavam o imposto a ser pago pelas incorporadoras, negociavam uma redução e parte da diferença era paga como propina.
O Estado de S. Paulo também chama atenção para o assunto na primeira página, noticiando como o esquema minava os cofres públicos. Mas os valores seriam muito superiores aos R$ 59 milhões anotados no documento. Somente nessa planilha apreendida estão registrados 410 empreendimentos imobiliários, que negociaram com a quadrilha entre junho de 2010 e outubro de 2011. Nesse pacote, as propinas somaram R$ 29 milhões; o Imposto sobre Serviços devido pelas empresas chegava a R$ 61,3 milhões, mas só entraram nos cofres públicos R$ 2,5 milhões.
Segundo o Estado, que cita declaração do promotor responsável pelo caso, uma projeção com base nesses dados permite chegar ao valor de R$ 500 milhões, estimado inicialmente na investigação como o total do prejuízo que teria sido causado às receitas do município.
A descoberta da planilha permite ampliar o número de empresas suspeitas de participar do esquema, que eram inicialmente seis, num total de 40 empreendimentos. Duas delas já admitiram a prática de propina e as outras quatro pediram mais tempo para prestar informações.
Os anúncios sumiram
A leitura atenta das reportagens indica que o esquema evoluiu, ao longo dos anos, do velho vício da chantagem por parte de fiscais para um acerto que se transformou em processo rotineiro na aprovação de grandes obras da construção civil em São Paulo.
O sindicato do setor já publicou notas oficiais negando apoiar tais práticas, mas o noticiário demonstra a cada dia que uma parte considerável da grande expansão imobiliária que ocorre na capital paulista nos últimos anos não tem produzido o ingresso equivalente em tributos nos cofres públicos.
A descoberta da planilha coloca o caso em um novo patamar de interesse jornalístico. Os números expressivos tornam sem sentido a ideia de que se tratava de uma “máfia de fiscais”, como vem sendo noticiado pelos jornais. Um total de 410 empreendimentos numa única planilha, cobrindo apenas 16 meses de um período calculado em uma década de falcatruas aponta para a existência de um esquema muito mais amplo.
Segundo o Globo, a prefeitura de São Paulo já pode usar as informações levantadas pela promotoria para começar a cobrar o imposto devido. De qualquer maneira, o mais provável é que os novos integrantes da Secretaria de Finanças da capital paulista estejam revisando todos os processos, de 2012 para trás, e podem usar como referência os nomes das empresas citadas na planilha. É bem possível que eles encontrem, no ano fiscal de 2007, referência a um acerto para acobertar desvios ocorridos na Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), que foi motivo de escândalo há cinco anos, devidamente engavetado pela imprensa.
Agora, apenas por curiosidade, observe o leitor atento como, desde que começou o escândalo, aumentou o número daqueles anúncios coloridos, de páginas duplas, com propaganda de lançamentos imobiliários, nos jornais de São Paulo. Muitos deles já estavam totalmente vendidos quando foram anunciados. Mas nos últimos dias os anúncios desapareceram e apenas uma ou duas das grandes incorporadoras seguem comprando esse espaço publicitário.
Apenas por curiosidade, pois, como todos sabemos, os jornais segregam criteriosamente a redação para não ser contaminada por interesses do departamento comercial.
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