Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A crise previsível que a imprensa não quis ver

O risco de desabastecimento de alimentos, ou seu encarecimento, é um problema que provoca a reação de toda a população, não só brasileira, mas mundial e também de toda a imprensa. No caso do Brasil, reportagens, matérias, programas e edições abordam a questão, conseqüências e de como os governos lidam ou pretendem lidar com a situação.

Não há periódico, passando pelo Jornal da Globo, Estadão, Folha, JB, Valor Econômico até os diários do interior do país, que não publique extensas matérias sobre a crise. Entretanto, pelo menos no caso brasileiro, a mesma atenção não foi dada quando o problema começou a ser gerado há quatro, cinco anos, quando agricultores descapitalizados, devedores, executados por suas dívidas pediam, literalmente, ajuda. Culturas como arroz, por exemplo, negociadas abaixo do custo de produção chegavam aos supermercados brasileiros por menos de R$ 5,00 o saco de cinco quilos.

O insolúvel endividamento agrícola, a falta de política de preços mínimos e zoneamento nas fronteiras rurais brasileiras não foram pauta (com raras exceções) para a grande imprensa brasileira. Para ilustrar, vale lembrar o pedido de socorro do ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, na primeira semana de março de 2005 em entrevista ao Canal do Boi. ‘Temos o pior orçamento da história do Ministério, apenas R$ 1 bilhão em recursos, metade do necessário, câmbio desfavorável, sem condições de financiar estoques e a terrível crise na produção de arroz, trigo e milho’. Salvo o último item, sabemos como está a situação das duas outras culturas.

Pauta: lucratividade

Também muito questionada pela imprensa não-especializada, e também argumento de países que estão pagando muito mais caro pelo alimento, a produção de etanol segue em alta nas pautas, sendo acusada como vilão do encarecimento mundial de suprimentos. Vale lembrar que o etanol brasileiro, extraído da cana-de-açúcar, é cultivado em áreas que antes eram reservadas para pasto, degradadas, na maioria das vezes, raramente em locais onde se praticava agricultura. Situação muito diferente do etanol norte-americano, à base de milho, com produção 150% menor, se comparada a cana, ocupando vastas áreas da fronteira agrícola norte-americana e encarecendo o milho e a soja.

Toda a situação anterior fez com que diminuísse a área plantada de soja nos EUA (maior produtor mundial) e gerou menor oferta de milho no mercado mundial. Vale lembrar a crise da tortilla no México, feita de farinha de milho, e a alta no valor da carne de frango e de suínos no Brasil. Por aqui, a grande concessão de áreas de pastagens aconteceu porque o produtor, em 2005/05, descapitalizado depois da arroba baixa (R$ 47,00 contra R$ 51,00 de custo de produção) e da aftosa, abateu fêmeas e arrendou suas terras para não quebrar. O resultado foi uma oferta super-reduzida desde outubro passado e agora, na BM&F, a arroba do boi já chega próximo aos R$ 95,00. Mas esta é outra história.

Por outro lado, no caso brasileiro, a grande imprensa, ao não questionar a produção e sua capacidade, também não se ateve que o agronegócio não se pauta pela necessidade de consumo alimentar, e sim, pela lucratividade – tanto faz produzir álcool, carne ou soja.

Ri à toa quem investiu em commodities

A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) negou, através de comunicado à imprensa de seu diretor-geral Jacques Diouf, que uma alta nos preços em mais de 120 países, no caso do arroz, beneficiaria os agricultores mundiais, mas que havia uma ‘catástrofe previsível’ se aproximando. Em nota, sugeriu que a comunidade internacional conceda subsídios aos produtores dos países em desenvolvimento para compensar a ajuda estatal recebida pelos agricultores do hemisfério Norte.

Por tempo indeterminado, veremos a imprensa divulgar seguidamente altas dos preços dos alimentos e da inflação, além da população, que automaticamente perde poder de compra. Por outro lado, fica a certeza de que o produtor apenas recupera o que perdeu nos últimos anos, mas ri à toa quem investiu nas commodities na Bolsa de Mercadorias e Futuros.

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Jornalista do Canal do Boi e portal www.agronoticiasms.com.br, mestre em Produção e Gestão Agroindustrial